Ninguém perguntou mas eu respondo. Sobre a nova ortografia.
Pô, no meu tempo de vida já passei por quatro reformas. Durante mais de dez
anos combati (ou escrevi irresponsavelmente, vocês decidem) os famigerados
“sinais diacríticos diferenciais”. Já enchi. Língua é a falada. A língua
escrita, ortográfica, procura, mal e mal, registrar isso. Serve para
normatizar, encinar os burocratas e
escrever serto. Mas nada disso
adianta quando a tevê Globo – língua falada – decide que o nome é Roráima e não
Roraima, como sempre se disse aqui em casa. Agora então que acabaram com os acentos, a
Globo ganha de goleada com seu Roráima escandido pelo Bonner pra 30 milhões de
pedintes, perdão, ouvintes.
Escrever bem não tem nada a ver com ortografia. Basta você
ver como escreve a maioria dos que escrevem ortografia perfeitamente, isto é, seguindo todas as regras. Mediocridade,
quase sempre. Já Yeats, o grande poeta irlandês, um dos maiores do mundo,
escrevia tudo errado ortográfica e gramaticalmente. Isso no tempo em que tudo
era rimado e metrificado.
Repito, isso de escrever gramatical ou ortograficamente
certo nada tem a ver com escrever bem. Tem a ver com sensibilidade em suas
várias formas. O admirável Rubem Braga, uma perfeição de estilo, nos
aconselhava sabiamente: “Quando você tiver uma dificuldade gramatical, não
quebra a cabeça não. Dá uma voltinha”.
A que vem isso? A nada. Ou a tudo. Minha implicância com
gramatiquismos e gramatiquices começa com a crase, que o poeta Ferreira Gullar
diz que “não foi feita pra humilhar ninguém”. Tem razão: a crase foi feita pra
humilhar todo mundo.
Por que todo mundo erra na crase? Já vi crase “errada” em
placa de mármore de ministério. E estou vendo aqui, debaixo do meu nariz, na
meia dúzia de quilômetros em volta das obras do Metrô, uma centena de cartazes
da Odebrecht, a poderosa empreiteira, cheia de agrônomos, engenheiros,
calculistas e, possivelmente, gramáticos: OBRAS A 100 metros , OBRAS À 250 metros . DESVIO a 200 metros . OBRAS à 300 metros . A Odebrecht
emprega a crase por metragem.
Repito-me: por que todo mundo “erra” na crase? Uma regrinha
idiota que qualquer idiota aprende num minuto. E esquece no minuto seguinte.
Porque é artificial, inventada pelos gramáticos.
Exemplo? À bessa, que agora virou à beça (por quê?), era uma
palavra só, abessa, que os sábios da escritura (Camões) dividiram em duas pra
poder tascar a crase em cima de uma delas.
(fonte: Veja, 15 de julho, 2009)
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