terça-feira, 9 de outubro de 2012

A Valsa dos Adeuses, Milan Kundera

Trechos do livro A Valsa dos Adeuses (Cia das Letras, 2010), de Milan Kundera.



- Seduzir uma mulher – disse Bertlef descontente – está ao alcance do primeiro imbecil. Mas é preciso também saber romper; é nisso que se reconhece um homem maduro.
- Eu sei – confessou tristemente o trompetista –, mas para mim esta repugnância, este insuperável enjoo são mais fortes do que todas as boas intenções.
- Diga-me – exclamou Bertlef com surpresa –, será você um misógino?
- É o que dizem de mim.
- Mas como é possível? Você não parece nem impotente, nem homossexual.
- Certamente não sou nem uma coisa nem outra. É uma coisa muito pior – confessou melancolicamente o trompetista.– Amo minha mulher. É meu segredo erótico que a maioria das pessoas acha inteiramente incompreensível.
   Era uma confissão tão comovente que os dois homens fizeram um minuto de silêncio. Depois o trompetista continuou:
- Ninguém compreende, e minha mulher menos do que qualquer outra pessoa. Ela imagina que um grande amor nos faz renunciar às aventuras. Mas é um erro. Alguma coisa me empurra a todo momento para uma outra mulher; no entanto, a partir do momento em que a possuo, sou arrancado dela por uma poderosa mola que me lança para perto de Kamila. Algumas vezes tenho a impressão de que, se procuro outras mulheres, é unicamente por causa dessa mola, desse impulso e desse voo esplêndido (cheio de ternura, de desejo e de humildade) que me traz de volta para minha própria mulher, a quem amo cada vez mais depois de cada nova infidelidade.
- De modo que a enfermeira Ruzena  só foi para você a confirmação do seu amor monogâmico?
- Sim – disse o trompetista. – E uma confirmação extremamente agradável. Pois a enfermeira Ruzena tem um grande charme à primeira vista, e é também muito vantajoso que esse charme se esgote totalmente depois de duas horas, o que faz com que nada me anime a perseverar e que a mola me lance numa esplêndida trajetória de volta.
- Caro amigo, um amor excessivo é um amor culpado, e você é, sem dúvida, a melhor prova disso.
- Eu achava que meu amor por minha mulher era a única coisa boa que existia em mim.
E você estava enganado. O amor excessivo que você dedica à sua mulher não é o polo oposto e compensador da sua insensibilidade, ele é a sua razão mesma. Do momento em que sua mulher é tudo para você, todas as outras não são nada; melhor dizendo, para você, são putas. Mas é uma grande blasfêmia e um grande desprezo por criaturas de Deus. Meu caro amigo, essa espécie de amor é uma heresia.


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- Gostaria de pedir sua ajuda. Primeiro, queria saber se ela está realmente grávida. Talvez seja apenas um atraso. Ou ela está fazendo fita. Já me aconteceu uma vez. Também era uma loira.
- Nunca se deve começar nada com uma loira – disse o dr. Skreta.
- É – concordou Klima –, as loiras são minha perdição. Doutor, foi horrível da outra vez. Fiz com que ela fosse examinada por um médico. Só que, bem no começo de uma gravidez, ainda não se pode saber nada com certeza. Exigi que fizessem nela o teste do rato. Injeta-se urina numa ratazana, e se os ovários dela incharem...
 - A mulher está grávida... – completou o dr. Skreta.
Ela trouxe a urina de manhã num vidro, eu estava com ela, mas deixou o frasco cair na calçada em frente à policlínica. Me atirei sobre os cacos para salvar pelo menos algumas gotas! Quem me visse pensaria que ela havia deixado cair o vidro de propósito porque sabia que não estava grávida e queria prolongar o meu suplício o maior tempo possível.
- Comportamento típico de loira – disse o dr. Skreta sem se surpreender.
- Você acha que existe uma diferença entre as loiras e as morenas? – disse Bertlef, visivelmente cético em relação à experiência feminina do dr. Skreta.
- Acredito! – disse o dr. Skreta. – Os cabelos loiros e os cabelos pretos são os dois polos da natureza humana. Os cabelos pretos representam a virilidade, a coragem, a franqueza, a ação, enquanto os cabelos loiros simbolizam a feminilidade, a ternura, a fraqueza e a passividade. Portanto, uma loira é na realidade duplamente feminina. Uma princesa não pode deixar de ser loira. É também por essa razão que as mulheres, para serem femininas o máximo possível, pintam os cabelos de loiro e nunca de preto.
- Fico muito curioso em saber como é que os pigmentos exercem influência sobre a alma humana – disse Bertlef em tom interrogativo.
- Não se trata dos pigmentos. Uma loira se adapta inconscientemente a seus cabelos. Sobretudo se essa loira é uma morena que se tingiu de loira. Ela quer ser fiel à sua cor e se comporta como um ser frágil, como uma boneca frívola que exige ternura e serviços, galanteria e uma pensão alimentar, ela é incapaz de fazer o que quer que seja por conta própria, por fora toda delicadeza e por dentro toda grosseria. Se os cabelos pretos se tornassem uma moda universal, seguramente viveríamos melhor neste mundo. Seria a reforma social mais útil que se poderia fazer.


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Pode-se reconhecer os velhos pelo hábito de vangloriar-se de sofrimentos passados e de transformá-los num museu para o qual convidam visitantes.

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