sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Entrevistas de Playboy - Piquet X Senna

Mesmo quem não acompanhava nos anos 90 as corridas de Fórmula-1 sabia da rixa entre os pilotos brasileiros Ayrton Senna e Neslon Piquet. Piquet já era um veterano quando Senna entrou em cena (ops). Senna logo virou ídolo, deixando Piquet em segundo plano.

Com personalidades bem diferentes, ambos deram entrevistas à revista Playboy. Primeiro Piquet, em 1988 e Senna dois anos depois. Nelson Piquet nunca deu muita bola para a opinião dos outros, sendo, na opinião de alguns, excessivamente sincero, o que lhe rendeu vários desafetos, entre eles o próprio Ayrton Senna.

Depois que morreu em um acidente de trabalho em 1994, Senna se tornou ídolo nacional, virando nome de escolas, viadutos, ruas e avenidas em centenas de cidades do país. Mas poucos sabem o que se passava na cabeça dele. Na entrevista abaixo, é possível vislumbrar um pouco da sua mente, o que, na verdade, é assustador: ele tinha visões, delírios, admirava o presidente Collor e, enfim, cada país tem o ídolo que merece...



As entrevistas foram publicadas no livro As 30 melhores entrevistas de Playboy (Editora Abril, 2005, 313 páginas)


Nelson Piquet 1988

Para quem você corre, Piquet?
Para mim, oras. Corro porque gosto, porque me dá prazer. O dia em que eu me encher o saco, largo tudo e vou embora.

Sempre foi assim?
Claro. Para quem mais você acha que eu ia correr?

Não sei. Para a sua família, para os amigos que te deram força no começo da carreira...
Eu poderia muito bem dedicar as vitórias à minha mãe ou ao meu pai, que já morreu, mas seria pura demagogia [fala olhando para o filho mais velho, Geraldo, que assiste à entrevista]. Isso só serve para o cara ler no jornal e ficar babando. Na verdade, por que eu ganhei? Ganhei porque trabalhei como um filho da puta, porque sofri pra cacete... Eu ganhei pra mim, porra!


Ayrton Senna 1990

Esse seu, digamos, diálogo com Deus começou em 1988, em Mônaco, quando você liderava a prova com quase um minuto de vantagem sobre o Alain Prost e bateu o carro sozinho no guard-rail?
Exatamente. Aquilo não era apenas um erro de pilotagem. Era a consequência de uma luta interna que me paralisava e tornava vulnerável. Eu tinha uma abertura para Deus e outra para o diabo. O acidente foi um sinal de que Deus estava ali me esperando, para me dar a mão. Bastava eu dizer que queria. Foi uma experiência incrível. Ouvir falar de Deus é uma coisa. Mas eu experimentei, diante dos meus olhos, dos meus sentidos – o que é bem diferente. Não existe equívoco, não existe dúvida, não existe mal-entendido. É uma verdade.

Que outras experiências você teve?
Se conversar sobre minha vida amorosa é algo extraordinário, falar sobre Deus é ainda mais fora do comum. É muito, muito especial. É meu mundo. Aos olhos das pessoas comuns, que não têm fé, tudo é loucura, bobagem. Por isso, fica uma situação incômoda para mim. Ao mesmo tempo, por que não dividir experiências com as pessoas que, como aconteceu comigo, procuram a vida nova?
E como são os sinais que você recebe?
Vou contar uma experiência recente. No Grande Prêmio de Mônaco deste ano, em maio, percebi nos treinos de sábado que meu carro estava desequilibrado, sem possibilidade real de vitórias na corrida de domingo. A McLaren do Gerhard Berger, meu companheiro de equipe, apresentava os mesmos problemas. Bem, vencer em Montecarlo era muito importante e expliquei isso a Deus. Ele sabe de tudo o que se passa em nosso coração. Mas é necessário se entregar através do coração. Foi o que eu fiz. Quando chegou o domingo, ainda no warm-up, tive uma sensação e uma visão. Consegui me enxergar de fora do carro. Em volta da máquina do meu corpo, existia uma linha branca, uma espécie de onda, que se traduziu para mim como força e proteção.

Você conseguiu se ver?
Hã-hã.

Saiu do seu corpo?
Hã-hã. Entrei em outra dimensão. Tive uma paz incrível, e a certeza de que estava equilibrado, de corpo e alma, inteiro. Não tinha canto sobrando, estava tudo redondo, em harmonia. Geralmente, antes de largar, fico na minha, quietão. Dessa vez, até sorri. Saí do boxe, com aquele mesmo carro que um dia antes apresentou problemas, e os defeitos... pá! desapareceram! Estavam lá, mas não me incomodavam. Depois da corrida, o Berger veio conversar comigo, e disse que o carro dele continuou trepidando. Eu apenas sorri, não entrei em detalhe. Só que, comigo, não aconteceu nada.

Você lê a Bíblia diariamente?
Não. Mas, às vezes, mais do que uma vez por dia. É nela que aprendo pouco a pouco sobre o deus poderosos, que criou o céu, a Terra, o universo.

Como você se sente sendo patrocinado pela Marlboro?
A marca está ali no carro, mas não forço ninguém a fumar. A Philip Morris deu uma contribuição inestimável ao automobilismo. Foi ela que financiou a divulgação do esporte e deu a tanta gente a possibilidade de curtir uma corrida. Vejo por esse lado, e não pelo lado negativo que os outros enxergam, de que o cigarro é ruim, faz mal para a saúde.

Mas é ruim ou não?
É indiscutível que não traz muitos benefícios à saúde. Por outro lado, você vê gente que pára de fumar e engorda.

Já que estamos falando de patrocínio, quanto você tinha guardado no Banco Nacional quando o Plano Collor resolveu fechar as torneiras do país?
O suficiente para sentir a paulada. Mas foi uma medida necessária. O presidente Collor é um grande líder, e há muito tempo o Brasil precisava de alguém assim. Acho que ele é muito bom.