sábado, 7 de novembro de 2009

Ron Mueck








Trabalhos do australiano Ron Mueck. Embora não pareçam, todos são esculturas.

domingo, 1 de novembro de 2009

Crítica arrependida


E não é que a gente muda?
Há um tempo escrevi sobre um livro da Cláudia Laitano. Falei bem, mas nunca publiquei. Fui reler e vi que tinha mudado de ideia. Desgosto dos textos dela mais e mais a cada dia. O que antes me parecia lucidez, agora me parece apenas o senso comum, e o que parecia sensatez, parece só um conservadorismo tedioso. Quem mudou? Ela ou eu? Lembro que escrevi logo depois de tê-la conhecido em um evento, o que deve ter me influenciado, já que ela foi simpática. Sinceramente, a maternidade pode tê-la deixado mais feliz, mas a tornou mais chata também.

Mesmo assim, só para reciclar lixo eletrônico, reproduzo abaixo o texto que escrevi já faz meses e com o qual hoje discordo em grande parte.

Agora eu era

O jornal Zero Hora mantinha, nas sua página 3, uma coluna diária do Luis Fernando Veríssimo. Há uns cinco anos, LFV pediu pra reduzir a carga de trabalho, então o jornal chamou outros colunistas para escreverem semanalmente ali. E foi um time de peso, pelo menos em termos de vendagens de livros. Tem o imortal Moacyr Scliar num dia, a publicitária Martha Medeiros em outro, o tenebroso David Coimbra e também a jornalista cultural Cláudia Laitano, o patinho feio da página 3, sendo a única que ainda não tinha livro publicado. O jejum acabou com Agora eu era (2008, Record, 188 páginas).

Agora eu era é uma coletânea com 61 crônicas (mais um prefácio-crônica) publicadas nos últimos cinco anos no jornal Zero Hora. Como boa cronista, Cláudia usa como ponto de partida tudo aquilo que tiver mais à mão: filmes, livros, seriados e comerciais de TV, letras de música, reportagens. A leveza com que cria os temas é que a diferencia dos demais. Assim, ela dá um jeitinho para que Chico Buarque, Harry Potter, Saramago, Homer Simpson, Guimarães Rosa, Genival Lacerda e a boneca Barbie convivam em harmonia.

Está pronto para uma comparação estúpida? Não? Então vamos lá. Ela é da geração da Martha Medeiros. Mas, ao contrário da escritora pop, é divertida sem forçar a barra; é contundente sem recorrer a ironias pesadas; tem um texto leve e descompromissado, sem a superficialidade da MM; escreve para todos, mas sem nivelar por baixo, como a sua colega de jornal; é nostálgica sem ser piegas; filosofa sem resvalar na autoajuda. Ah, provavelmente isso não é importante, mas é mais bonita e simpática também.

A capa:
A capa de Miriam Lerner e o miolo também merecem menção, sendo adequados ao espírito leve do livro.

Uma frase do livro:
A história às vezes insiste em se construir a partir de material altamente deletável.

O que já disseram:

Luis Fernando Veríssimo: Um texto límpido, com a dosagem certa de humor e seriedade, e pitadas de lirismo. Resultado: uma cronista saborosa.

Jorge Furtado, diretor de cinema: Boa memória, inteligência, ótimo texto, bom humor, personalidade, coragem. O que mais você espera de uma cronista?
Djegovsky:
É o tipo de livro que leio devagarinho, que é pra durar mais.


Trecho do livro:

Vaidade
(Cláudia Laitano)

Da série “Livros que eu gostaria de escrever (mas não vou)”: Tratado mínimo sobre a vaidade máxima – Memórias de uma jornalista cultural. Meu livrinho começaria com um pequeno ensaio histórico ilustrado por reflexões luminosas dos grandes pensadores e citações que remontariam ao Eclesiastes (“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, e coisa e tal, com perdão do clichê). Depois viria uma galeria de clássicos da literatura que tematizam a vaidade, entre eles o genial Teoria do medalhão, de Machado de Assis. (Aqui entre nós, esse conto diz mais ou menos tudo o que eu gostaria de dizer sobre vaidade. Donde, se você se interessa sobre o assunto e tem uma certa pressa, sugiro que fique lendo Machado enquanto eu não publico o tal tratado.) Depois de despejar toda a erudição que eu não tenho nos dois capítulos iniciais – o bom de planejar livros que não vão ser escritos é que a gente pode ser muito ambicioso – viria a parte realmente divertida: um minucioso levantamento das situações de vaidade escancarada que eu presenciei ao longo de toda uma vida profissional cobrindo a área de Cultura. O relato começaria com o espanto da jovem repórter ingênua diante do delírio egoico de determinadas figuras que ela costumava admirar. Passaria por casos engraçados, outros patéticos, alguns deprimentes, num longo e tortuoso aprendizado que culminaria no estágio em que nada, absolutamente nada, no terreno da autopromoção seria capaz de espantar a calejada jornalista. A cereja no bolinho seria um laudatório prefácio sobre a autora, escrito por alguma figura muito importante da cultura local – provando que mesmo os mais eloquentes críticos da vaidade alheia são incapazes de perceber quando ela lhes ataca o próprio flanco. Nenhuma atividade humana está livre do pavonismo. A cabotinagem é antes de tudo um estado de espírito, uma maneira de cavar seu espaço no mundo – como Machado de Assis tão bem demonstra na Teoria do medalhão. Mas é óbvio que quem se expõe mais, como os artistas em geral, tem mais chances de enamorar-se da própria imagem. Picasso, por exemplo, achava que era o maior pintor do século 20. E era. Chato é quando o sujeito gostaria de ser tratado como Picasso mais até do que pintar como ele. Geralmente estamos diante de alguém que está desperdiçando energia no lugar errado, tenha ou não qualquer talento. O preço da lucidez é a eterna vigilância. Tenho que lembrar de botar isso no livrinho.


Trecho da Crônica Memórias Roubadas:

Não sou do tipo que tem saudades do vinil, do telefone com discador ou do elevador com pantográficas. Mas ninguém me convence de que a tecnologia das câmeras digitais não está roubando as memórias do futuro. Todo o princípio – muito racional e lógico – dessas câmeras é baseado no erro zero. A foto ficou boa? Ótimo. Não ficou? Delete. Aqui no jornal já é assim. O fotógrafo sai para a rua, faz 30 ou 40 fotos, sei lá, e no caminho de volta já vem selecionando o que fica e o que vai para o espaço. Tudo muito racional, muito lógico. O problema é que o que hoje é secundário, descartável, daqui a 20 ou 30 anos, ou mesmo na semana que vem, pode ganhar todo um novo significado, talvez impossível de ser percebido com os olhos de hoje. A história às vezes insiste em se construir a partir de material altamente deletável.