segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Junichiro Tanizaki - Há quem prefira urtigas

Parece que só no século 21 a literatura japonesa começou a ser mais difundida no Brasil, com traduções de Haruki Murakami, Kobo Abe, Yasunari Kawabata, Kenzaburo Oe e tantos outros. Um desses outros é 谷崎 潤一郎, ou Junichiro Tanizaki

Nascido em 1886, Tanizaki era um defensor da cultura tradicional japonesa, negando a crescente influência ocidental na sua época. Mas não imagine que daí nasce uma literatura atrelada a rígidos padrões sociais orientais. Seus livros invariavelmente tratam de sexo, relacionamentos, fetiches e intimidade, temas caros a diversos autores. Porém, com Tanizaki são tratados com uma amoralidade rara no ocidente. Sua linguagem crua e direta causa desconforto ao leitor, justamente por deixar os personagens e as situações mais próximos da realidade do que gostaríamos.


Há quem prefira urtigas

No ano 2000, o autor britânico Hanif Kureishi lançou Intimidade, um livro que fala de um casal em crise: o homem decide se separar da mulher (com quem tem um filho) e passa o livro inteiro (cerca de 24h) tentando se convencer da sua decisão. Nesse meio tempo, é aconselhado por um amigo do casal, que apresenta um contraponto aos seus argumentos. Entram na história também aspectos sociais, culturais e religiosos. O título desse livro de Tanizaki é um dos mais instigantes que já vi. O curioso é que exatamente 70 anos antes, Junichiro Tanizaki havia lançado um livro com tema muito semelhante, apenas com pequenas variações: um casal com um filho está prestes a se separar, e o marido tem dúvidas, então conversa com um amigo da família,que apresenta um contraponto aos seus argumentos. A diferença é que Tanizaki ousou mais. Em Há quem prefira urtigas [Companhia das Letras, 2003]  o casal tem relacionamentos extra conjugais consentidos, e a indecisão se arrasta por muito mais que apenas um dia. Como em Shakespeare, seus diálogos são enxutos, sem sobras, funcionais, por vezes irônicos e sarcásticos. As personagens de Tanizaki não se desesperam diante do anormal em suas vidas, ele deixa esse papel para o leitor.





Abaixo, alguns trechos do livro. A tradução diretamente do japonês é da ótima Leiko Gotoda.


(aqui o marido fala com um amigo sobre Misako, sua esposa, e Aso, o amante dela)

– Resumindo, você achou que a melhor época para a separação é agora, quando o tempo começa a esquentar?
– Mais ou menos. Resta ainda um pouco de frio no ar, mas o calor já vem chegando. Logo as cerejeiras vão florir e brotos verdes despontarão por toda parte... O ambiente pode abrandar a tristeza.
– A opinião é apenas sua?
– Não. Misako também pensa como eu. Ela já disse: “Se for para nos separarmos, quero que seja na primavera. É a melhor época do ano”.
– Ah, essa não! Está querendo me dizer que, agora, vão esperar um ano inteiro até a próxima primavera?
– Não necessariamente. O verão também é interessante... O problema é que a minha mãe faleceu no mês de julho, em pleno verão, lembra? Nessa época, a paisagem inteira se ilumina e se enche de cores. Mas, naquele ano específico, senti, apesar de tudo, não haver estação mais triste que o verão. Eu não conseguia conter as lágrimas toda vez que contemplava a vegetação viçosa em tardes de calor sufocante, lembro-me disso muito bem...
– Está vendo? É por isso que insisto: não adianta esperar até a primavera! As cerejeiras podem estar floridas, mas, se você está triste, chora ao vê-las!
– Pode até ser que você tenha razão, mas... sem época ideal estabelecida, o leque de escolha se amplia tanto que me perco por completo...
– Estou começando a achar que esse divórcio nem vai acontecer.
– Acha mesmo?
– O que eu acho ou deixo de achar não é importante. Quero saber o que você acha.
– Pois não faço a menor ideia do que vai acontecer. Sei apenas que existem motivos absolutamente claros para uma separação. Se Misako e eu já não nos dávamos bem anteriormente, agora que ela começou esse caso com o Aso – caso esse cujo início, diga-se de passagem, não só permiti, como também incentivei – não há condição alguma para continuarmos casados. Aliás, já não estamos casados, essa é a verdade. Frente a frente com essa verdade, tanto eu como Misako não sabemos que caminho tomar: se o da tristeza momentânea ou o do sofrimento para o resto de nossas vidas. Melhor dizendo, a resolução já está tomada. Falta-nos apenas coragem para levá-la avante.
– Mas, se vocês já não são mais marido e mulher, o divórcio significaria apenas não morar na mesma casa. Esse tipo de raciocínio não lhe traz alívio?
– Eu me esforço para raciocinar dessa maneira, mas não ajuda muito.
– E também temos que considerar o Hiroshi. Mas até mesmo para ele a separação vai significar apenas que o pai e a mãe vão morar em casas diferentes, não quer dizer que ele deixe de ser o filho querido da Misako.
– É óbvio que existem famílias em circunstâncias semelhantes no mundo inteiro. Diplomatas ou funcionários designados a servir no interior costumam seguir sozinhos para seus postos ou deixam filhos com parentes em suas cidades natais. Sem falar nos casos das crianças do interior que vêm morar sozinhas na cidade grande para continuar seus estudos. Se compararmos, Hiroshi está em melhor situação, sei disso. No entanto...
– Em outras palavras, é você que está triste. Mas a realidade não é tão triste quanto você imagina.
– Pois tristeza é isso, não é? Subjetiva, afinal de contas... O problema principal é que Misako e eu não conseguimos nos odiar mutuamente. Como seria fácil, se conseguíssemos... Em vez disso, cada um acha que o outro está coberto de razão. Isso é mal...
– A solução mais fácil e prática seria Misako e Aso se casarem, sem nada dizer a você.
– Tempos atrás, Aso parece ter proposto essa solução, mas, pelo jeito, Misako respondeu entre risadas que só conseguiria tomar uma atitude tão ousada se a drogassem e a levassem embora enquanto dormia.
– E se você provocasse uma briga com ela?
– Também não daria certo porque estaríamos representando e saberíamos disso. Não adianta berrar um para o outro: “Saia já da minha casa!” e “Saio com muito prazer!” porque na hora de sair mesmo acabaríamos chorando...
– Vocês dois são realmente problemáticos! Cheios de histórias até para se separar...
– Bom seria se houvesse algo assim como um entorpecente psicológico... Você sentiu ódio da Yoshiko por ocasião do seu divórcio?
– Eu a odiei, mas ao mesmo tempo tive pena dela, entende? Ódio real, que vem do fundo da alma, um homem só é capaz de sentir por outro homem.
– Desculpe-me se o ofendo, mas... é menos complicado divorciar-se de mulheres que, no passado, já foram “profissionais da noite”, não é? A maioria delas é decidida, já conheceram e se separaram de muitos homens e, se quiserem, podem voltar facilmente à profissão anterior...
– Ainda assim, a separação não é fácil.
Por instantes, Takanatsu manteve o cenho franzido, mas logo recuperou a animação inicial e disse:
– Essa questão é semelhante à das estações do ano. Na hora de separar, não existem parceiras fáceis ou difíceis, do mesmo jeito que não existem estações propícias ou desfavoráveis, entendeu?
– Tem certeza? A mim me parece que as do tipo rameira são mais fáceis que as do tipo caseira. Será impressão minha?
– Pois as rameiras são até mais comoventes pelo próprio fato de aparentarem frieza. Há também um outro problema a considerar: o caminho que tomam depois do divórcio. É um alívio quando conseguem casar de novo e sossegar, mas, se retornam à antiga profissão, comprometem de certa maneira a reputação dos ex-maridos, entende? Eu mesmo me posiciono acima dessas picuinhas, claro... Seja como for, você há de convir que, rameiras ou caseiras, ninguém consegue, sem tristeza, separar-se de uma mulher.
   Por instantes, os dois apenas remexeram em silêncio o cozido na panela. Juntos, não haviam ainda esvaziado duas botijas de saquê, mas a suave embriaguez era persistente, afogueava-lhes o rosto e lembrava a aproximação da primavera.

Muitas páginas adiante, num novo diálogo de Kaname com Takanatsu, a situação continua:

– Por um lado você reclama que é difícil se separar dela, e, por outro, age dessa maneira totalmente irresponsável. Você é displicente demais!
– Displicente sempre fui. Mas penso que cada indivíduo pode ter seu próprio padrão ético e viver de acordo com ele.
– Pode ser. E, nesse caso, o seu diz que a displicência é uma virtude?
– Virtude talvez não seja, mas pessoas que não têm capacidade decisiva não deviam tomar decisões à força contrariando a própria natureza. Pois, toda vez que tentam fazer isso, a dose de sacrifícios aumenta inutilmente e traz consequências desagradáveis. Pessoas displicentes devem também estabelecer o curso de ação mais adequado ao seu temperamento. E, aplicando a minha teoria ética à situação atual, concluo que, se o bem maior é o divórcio, basta apenas que eu o alcance no final, não importa quão tortuoso seja o curso para se chegar a ele. Na verdade, acho até que eu podia ser um pouco mais displicente.
– Desse jeito, você é capaz de levar a vida inteira para alcançar seu bem maior.
– Pois já pensei seriamente nisso. Dizem que adultério era um fenômeno corriqueiro na aristocracia ocidental. Todavia, entre eles o adultério não era praticado às ocultas, mas tacitamente reconhecido pelos cônjuges. Eram casos semelhantes ao meu. Pois, se a sociedade japonesa permitisse, eu mesmo não me incomodaria de passar a vida inteira na situação atual.
– Tais costumes estão ultrapassados no Ocidente. A religião perdeu o poder de manter os casais unidos, entendeu?
– Não era somente a religião que os mantinha unidos. As pessoas talvez temessem romper abruptamente os laços com o passado, quem sabe?
– Você tem o direito de fazer o que quiser. Eu, porém, não vou mais me preocupar – disse Takanatsu asperamente, apanhando o livro caído no chão.
– Por que não?
– É óbvio, não é? De que maneira um estranho pode intervir num processo de divórcio tão mal definido?
– Você vai me deixar em apuros!
– Paciência.
– Se você nos abandonar, estaremos perdidos de verdade. A situação se tornará ainda mais confusa! Vamos, não nos abandone, eu imploro.
– De um jeito ou de outro, vou esta noite para Tokyo com Hiroshi. – declarou Takanatsu, folheando o livro friamente.

domingo, 21 de novembro de 2010

Intelectual Enrustido


Ele é ator - estudou arte dramática na Suíça -, diretor, roteirista multipremiado, romancista  e produtor de cinema. É um homem de ideias, um humanista (seu filme mais recente é uma denúncia contundente contra as violações aos direitos humanos na Birmânia). É inteligente e tem senso de humor. Como hobby, pinta quadros abstratos. Apenas uma coisa o impede de ser um intelectual respeitado mundialmente: seus músculos.


Sylvester Stallone é um dos intelectuais de carreira mais controvertida da história do cinema. Teve um infância difícil (foi expulso de 14 escolas antes dos 13 anos) e uma adolescência ainda pior (aos 15 seus colegas o elegeram “O mais provável de acabar na cadeira elétrica”). Começou a carreira de ator como o marginal de metrô do filme Bananas, contracenando com ninguém menos que Woody Allen.  Penou em papéis pequenos até escrever e estrelar um dos maiores sucessos da história do cinema, Rocky, um lutador. O filme, que venceu os Oscars de melhor filme e direção em 1977 marcou sua carreira para sempre, para o bem e para o mal. Foi considerado pela crítica séria na época o novo Marlon Brando. Mas crítica e público jamais conseguiram separar protagonista do filme do seu criador, e a partir de então Stallone não conseguiu mais fugir dos papéis de ação no cinema, em filmes em que seus músculos contavam mais que o cérebro. “As pessoas não me dão crédito como alguém inteligente, então porque deveria desiludi-las?”, diz ironicamente. Assim, Stallone vai vivendo na prisão que ele mesmo construiu.

Extremos
Já ganhou prêmios também concedidos a diretores consagrados como Takeshi Kitano e Abbas Kiarostami, e também é o maior campeão de Framboesas de Ouro da história, premiação que lhe deu o título de Pior Ator do Século20.
Alguns o acusam de ser pouco expressivo, mas são observadores superficiais, que não percebem as sutilezas de sua atuação, e também desconhecem o fato de ele ter paralisia facial causada pelo fórceps no seu parto, o que mantém um de seus olhos caído e seu sorriso sempre torto.


Quase todos os críticos ressaltam o paralelo entre os recentes Rocky e Rambo –  que mostram um homem velho e esquecido –  com a carreira de Sylvester Stallone. Mas não é o fato de não vender tanto quanto antigamente que Stallone foi diminuído de alguma forma. Sua grandeza apenas se consolida a cada dia, deixando seu nome na história para quem souber admirá-lo.

Pintura abstrata é hobby de Stallone
No seu filme Rambo IV, o personagem Rambo quer esquecer o seu passado e começa r nova vida do zero, até que as circunstâncias o forçam a retomar seu destino violento.
Seria um autoretrato?
Do mesmo modo, Stallone quer ser um ator, diretor e roteirista, mas as circunstâncias o fazem encarnar o mesmo personagem sempre e sempre.

Frases:
“Rambo não é violento. Eu vejo Rambo como um filantropo.”

“Na verdade eu sou uma manifestação da minha própria fantasia”.

“O único artista feliz é um artista morto.”





“Depois que eu morrer, provavelmente voltarei como um pincel.”

50 personagens mais odiados da literatura

O site Library Science Degree fez uma despretensiosa - mas divertida - lista com os 50 personagens mais odiados da história da literatura. No site há comentários sobre todos os personagens. Me pergunto quais entrariam numa possível lista nacional.

Ei-los abaixo:


1.) Bella Swan e Edward Cullen
Livro: Da série “Crepúsculo”
Autor: Stephenie Meyer

2.) Cholly Breedlove
Livro: The Bluest Eye
Autor: Toni Morrison

3.) Holden Caulfield
O apanhador no campo de centeio
Autor: J.D. Salinger

4.) Scarlett O’Hara
Livro: E o vento levou
Autor: Margaret Mitchell
Para cada fã que acha Scarlett O'Hara romântica e admirável, há um outro que acha ela uma figura completamente egoísta e repugnante, com poucas qualidades redentoras.

5.) Iago
Livro: Otelo
Autor: William Shakespeare

6.) Anita Blake
Livro: série Anita Blake
Autor: Laurell K. Hamilton

7.) Tom Buchanan
Livro: O Grande Gtsby
Autor: F. Scott Fitzgerald
Em um livro repleto de personagens intencionalmente insuportáveis, Tom Buchanan, com suas hipocrisias racistas e misóginos destaca-se como particularmente ofensivo.

8.) Heathcliff
Livro: O Morro dos ventos uivantes
Autor: Emily Brontë
Alguns fãs de "O morro dos ventos uivantes" tendem a interpretar Heathcliff como uma figura romântica, mas uma grande parte dos leitores o odeiam por seu comportamento abusivo, manipulador e negligente para com as pessoas em sua vida.

9.) Dolores Umbridge
Livro: série Harry Potter
Autor: J.K. Rowling

10.) Dorian Gray
Livro:  O retrato de Dorian Gray
Autor: Oscar Wilde
Quando Dorian Gray finalmente recebe sua mórbida punição depois de uma vida transbordando de frivolidade e hedonismo, nenhum leitor lamenta.


11.) Albert
Livro:  A Cor Púrpura
Autor: Alice Walker

12.) Ayla
Livro:  série Os filhos da Terra
Autor: Jean M. Auel

13.) John Willoughby
Livro:  Razão e Sensibilidade
Autor: Jane Austen

14.) Rhett Butler
Livro:  E o vento levou
Autor: Margaret Mitchell

15.) Karen Brewer
Livro:  série  Babysitter’s Club
Autor: Ann M. Martin

16.) Humbert Humbert
Livro:  Lolita
Autor: Vladimir Nabokov

17.) Daisy Buchanan
Livro: O Grande Gatsby
Autor: F. Scott Fitzgerald

18.) Catherine Earnshaw
Livro: O Morro dos ventos uivantes
Autor: Emily Brontë

19.) Sr. e Sra. Samsa
Livro: A Metamorfose
Autor: Franz Kafka
Quando Gregor Samsa acorda uma manhã transformado em um gigantesco inseto, apenas sua irmã Grete mostra-lhe algum grau de simpatia. Seus pais, por outro lado, reagem com desdém. Seu pai até mesmo lhe joga uma maçã que fica presa em sua carapaça. Considerando o quanto ele se esforça para cuidar deles, isto adiciona uma nova dimensão da tragédia da história de Samsa.

20.) Estella Havisham
Livro: Grandes Esperanças
Autor: Charles Dickens

21.) Robert “Sentinela” Reynolds
Livro: Marvel

22.) Broud
Livro:  Clan of the Cave Bear
Autor: Jean M. Auel

23.) Edward Rochester
Livro: Jane Eyre
Autor: Charlotte Brontë

24.) Mrs. Ferrars
Livro:  Razão e Sensibilidade
Autor: Jane Austen

25.) Bob Ewell
Livro: O Sol é para todos
Autor: Harper Lee


26.) Hamlet
Livro: Hamlet
Autor: William Shakespeare
Embora seja o protagonista, muitos leitores pensam de Hamlet como o precursor elisabetano do movimento emo, pois se lamenta constantemente sobre a sua triste vida, sem nunca realmente fazendo muito para mudar para melhor. Claro, considerando as peças de Shakespeare o que são, sua verdadeira complexidade muitas vezes desafia essa percepção.

27.) Voldemort
Livro: série Harry Potter
Autor: J.K. Rowling

28.) Patrick Bateman
Livro: O Psicopata Americano
Autor: Bret Easton Ellis

29.) Grande Irmão
Livro: 1984
Autor: George Orwell
Apesar de ser uma metáfora para um governo totalitário e não uma pessoa real, os cidadãos da distópica Oceania o consideram como tal. Agentes do Grande Irmão eram capazes de entrar na cabeça das pessoas e condená-las simplesmente por pensar contra o coletivo.

30.) Rufus
Livro: “The Lame Shall Enter First”
Autor: Flannery O’Connor

31.) Stanley Kowalski
Livro: Um bonde chamado Desejo
Autor: Tennessee Williams

32.) Emma Bovary
Livro: Madame Bovary
Autor: Gustave Flaubert
33.) Beth March
Livro: Mulherzinhas
Autor: Louisa May Alcott

34.) Napoleon
Livro: A Revolução dos Bichos
Autor: George Orwell

35.) Ignatius J. Reilly
Livro: Uma conspiração de estúpidos
Autor: John Kennedy Toole

36.) Romeo Montague
Livro: Romeu e Julieta
Autor: William Shakespeare

37.) Madame Defarge
Livro: Um conto de duas cidades
Autor: Charles Dickens

38.) Coringa
Livro: DC 

39.) O’Brien
 Livro: 1984
Autor: George Orwell

40.) Faye Greener
Livro: O dia do gafanhoto
Autor: Nathanael West

41.) Miss Havisham
Livro: Grandes Esperanças
Autor: Charles Dickens

42.) Jack Merridew
Livro: O Senhor das moscas
Autor: William Golding

43.) Robert Langdon
Livro: Anjos e Demônios, o Código Da Vinci, o Símbolo Perdido
Autor: Dan Brown

44.) Abigail Williams
Livro: As bruxas de Salém
Autor: Arthur Miller

45.) Amanda Wingfield
Livro: The Glass Menagerie
Autor: Tennessee Williams

46.) Kay Scarpetta
Livro: série Kay Scarpetta
Autor: Patricia Cornwall

47.)  Mrs. de Winter
Livro: Rebecca
Autor: Daphne du Maurier


48.) Melanie Hamilton Wilkes
Livro: E o vento levou
Autor: Margaret Mitchell

49.) Godot
Livro: Esperando Godot
Autor: Samuel Beckett
Que tipo de homem deixa seus amigos se perguntando sobre o seu paradeiro por toda a eternidade?

50.) Diabo
Livro: Bíblia
Autor: Vários

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Solo de Clarineta - Erico Verissimo

Biografias são sempre muito diferentes quando escritas pelo próprio biografado ou por um terceiro. Autobiografias costumam ser mais reflexivas e condescendentes; já as biografias abusam de detalhes da vida e da romancização dos fatos. Solo de Clarineta , a primeira parte da autobiografia de Erico Verissimo acaba mesclando um pouco todas essas características. No livro ele conta partes de sua vida desde a infância e também bastidores dos seus livros, além de fazer considerações sobre política, guerra, psicologia e outros temas. Em Solo de Clarineta são reveladas algumas curiosidades, como: o nome do célebre personagem Rodrigo Cambará, de O Tempo e o Vento era inicialmente Rodrigo Severo. Também ficamos sabendo que Eberbach, a cidade natal do Dr. Winter, personagem de O Continente, foi escolhida quase que aleatoriamente. Anos mais tarde, quando o livro foi traduzido para o Alemão, Verissimo recebeu uma carta do prefeito, convidando-o para ser hóspede oficial.  Erico tanbém foi reserva do time de futebol do Bonsucesso, em circusntâncias estranhas. Sobre O Tempo e o Vento, é interessante ver como Erico já sabia que esta seria sua obra mais importante. Sobre sua obra-prima ele diz:


“Apesar de ser descendente de campeiros, sempre detestei a vida rural, nunca passei mais de cinco dias numa estância, não sabia e não sei ainda andar a cavalo – para escândalo e vergonha de meu avô Aníbal – desconhecia e ainda desconheço o jargão gauchesco. Embora admire os trabalhos isolados de escritores como Simões Lopes Neto, Darcy Azambuja, Ciro Martins e Vargas Neto, nunca morri de amores pelo regionalismo e, para ser sincero, tinha e ainda tenho para com esse gênero literário as minhas reservas, pois acho-o limitado e, em certos casos, com um certo odor e um imobilismo anacrônico de museu. (...) Concluí que a verdade sobre o passado do rio Grande do Sul devia ser mais viva e bela que a sua mitologia. E quanto mais examinava a nossa História, mais convencido ficava da necessidade de desmitificá-la.”

Ainda sobre o regionalismo:
“Faltava aos nossos “guascas” densidade psicológica, esse tipo de conflito capaz de produzir drama. Sobre homens assim vazios – concluí, então, levianamente – era impossível escrever um romance que tivesse caráter e nervo."

Sobre a opção de ser escritor:
“Concluí que jamais viria a ser um bom desenhista, isto é, um criador. Se havia para mim alguma esperança, essa estava no quadrante das letras e particularmente no da ficção. No entanto eu insistia em apenas traduzir. Era ainda uma atitude de caramujo. Recusando produzir literatura própria, eu nada mais fazia que buscar proteção à sombra de nomes literários consagrados. De resto, refletia eu, quem no mundo poderia interessar-se pelo que eu viesse a criar, pois já chegara à firme conclusão de que me faltava talento para a poesia e carecia de cultura para o ensaio. Restava-me tentara ficção.”

Outros trechos:



“Nem tudo que acontece na vida real torna-se necessariamente verossímil quando transposto para o plano da ficção.”


“Minha mãe me mandou um prato de comida. Mal toquei nos alimentos, pois sempre achei indecente e até repugnante misturar morte com coisas de comer. O bife vinha de um animal morto. Era carne de cadáver.”


“Como pode um romancista do sexo masculino – perguntou-me alguém um dia – descrever com verdade e autenticidade os sentimentos duma mulher? Expliquei-lhe que, no meu caso, sempre que tinha que fazer isso eu procurava ser essa mulher. Meu interlocutor me olhou meio espantado e calou-se, aparentemente insatisfeito, e talvez até meio desconfiado de minha masculinidade.”

Geralmente ele elogia a maioria das pessoas que cita, mas aqui sobram algumas raras críticas:
“Ninguém negará grandeza a importância literária à obra de Ernest Hemingway. Mais de um crítico, porém, tem mencionado o fato de não se encontrar nos contos, novelas e romances desse escritor uma única personagem feminina verossímil, viva, plenamente realizada na sua condição de fêmea. Creio que isso se deve à obsessão que o grande escritor americano tinha de provar que era macho – o caçador de leões, o explorador, o aficionado das corridas de touros. No momento de descrever suas personagens do sexo oposto ele recusava, imagino, liberar seu componente feminino e meter-se no corpo delas, sentir como elas, amar como elas...
No fundo talvez isso fosse um sinal de insegurança quanto à sua própria condição de macho, o temor de que alguém pudesse pôr em dúvida sua virilidade.”


“Gilberto Freyre, que escreveu um artigo simpático mas um tanto ambivalente sobre O Continente, insinuou que o fato de eu ter escolhido um sobrado como centro do romance era um sinal de que a influência da ficção nordestina já se fazia sentida no sul do país. O ilustre sociólogo não levou em conta a possibilidade de que o autor tivesse tido em sua vida de menino um sobrado, como foi exatamente o meu caso.

 
“Minha mãe me mandou um prato de comida. Mal toquei nos alimentos, pois sempre achei indecente e até repugnante misturar morte com coisas de comer. O bife vinha de um animal morto. Era carne de cadáver.”


“Como pode um romancista do sexo masculino – perguntou-me alguém um dia – descrever com verdade e autenticidade os sentimentos duma mulher? Expliquei-lhe que, no meu caso, sempre que tinha que fazer isso eu procurava ser essa mulher. Meu interlocutor me olhou meio espantado e calou-se, aparentemente insatisfeito, e talvez até meio desconfiado de minha masculinidade.”

Este trecho é bastante inusitado:
“Conservava muito viva na memória uma cena que se passara havia uns dois anos sob os andaimes de uma construção que se fazia nas vizinhanças da nossa casa. Trabalhava nela como pedreiro um mulato de seus dezoito anos, alto e magro, com olhos de tuberculoso. Chamava-se Perez, e um de seus depravados prazeres era o de, na hora de folga entre o almoço e o turno da tarde, proporcionar aos meninos das redondezas um exibição grátis de seu falo. Éramos todos rapazotes de cinco a oito anos, quando muito. Ficávamos olhando numa seriedade silenciosa, entre assustados e curiosos, para o pênis do Perez, aquela coisa que ele tinha entre as pernas, aquele bicho latejante, aquela lingüiça viva que ele nos mostrava sorrindo, e que nenhum de nós ousava sequer tocar com a ponta dos dedos. Saíamos daquela exibição um tanto humilhados, pensando nos nossos membrinhos diminutos e comparando-os com o minhocão do pedreiro.”




quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Quase a mesma coisa - Umberto Eco

Umberto Eco escreveu um livro sobre tradução chamado Quase a mesma coisa (Record, 2007). Claro que esse é o título traduzido, o original é "Dire quasi la stessa cosa". Quem já leu trabalhos de não-ficção de Eco sabe que ele usa extenso material de pesquisa para ilustrar suas teses, o que, às vezes, pode deixar a leitura um tanto maçante. Gostaria de dizer que a leitura de Quase a mesma coisa é fluida, mas, para o leitor comum, ela empaca em insistentes detalhes acadêmicos. Mesmo assim, muitos trechos são interessantes tanto para o tradutor profissional como para o leigo. Só o fato de, em suas quase 500 páginas, o autor jamais usar a batidíssima expressão "traduttore-traditore" é um ponto para o livro. Abaixo, um trecho da obra:




“Quando comecei a trabalhar em uma editora, chegou a mim uma tradução do inglês, cujo original eu não podia controlar por ter ficado nas mãos do tradutor. Comecei, de todo modo, a ler para ver se o italiano “fluía”. O livro contava a história das primeiras pesquisas sobre a bomba atômica e a certa altura dizia que os cientistas, reunidos em determinado lugar, começaram os trabalhos fazendo “corse di treni” [corrida de trens]. Parecia-me estranho que pessoas que deveriam descobrir os segredos do átomo perdessem tempo com jogos tão insossos. Donde, recorrendo a meu conhecimento do mundo, inferi que os tais cientistas deviam estar fazendo outra coisa. Nesse momento, não sei se me ocorreu uma expressão inglesa que conhecia ou se fiz, antes, uma curiosa operação: tentei retraduzir mal, para o inglês, a expressão italiana e logo me ocorreu que aqueles cientistas fizeram training courses, ou seja, cursos de atualização, o que seria mais razoável e menos dispendioso para os contribuintes americanos. Naturalmente, assim que tive o original nas mãos pude ver que era isso mesmo e providenciei para que o tradutor não fosse pago por seu trabalho imundo."

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Lobo Antunes - Os Cus de Judas

Uma leitura que me tirou da zona de conforto foi Os Cus de Judas, do português António Lobo Antunes. Numa primeira impressão me deparei com uma prosa truncada, difícil, pedante, de estrutura confusa. Mas, aos poucos, a poesia e a riqueza do seu texto se desvendaram. Nunca havia lido nada igual.


Quem ama os livros arrastados, de vocabulário excessivo do Saramago, por exemplo, vai desconfiar da sintaxe de Lobo Antunes. Não é à toa que, em Portugal, os leitores se dividem em Saramaguistas convictos e Lobantunistas ferrenhos. São água e vinho. O vinho, no caso, é Antunes. Já outros preferem o insípido e inodoro.

Mas do que trata Os Cus de Judas? No livro, temos a narração em primeira pessoa de um médico português na guerra de Angola. Mas isso não interessa. Ou melhor, a trama do livro não é o mais importante. O que importa é como ele escreve.

As suas comparações, por exemplo, são inusitadas:
“quartos de hotel impessoais como impressões de psicanalistas”.
“O passado vinha-me à memória como um almoço por digerir nos chega em refluxos azedos à garganta.”
“...clávículas tão salientes como as sobrancelhas de Brejnev.”
“As cortinas das janelas ondulavam acenos evasivos de coreógrafo entediado..”

A sua linguagem, muito próxima do poético, não alivia a realidade narrada, pelo contrário, por vezes a torna mais dura e incisiva.
Mais alguns trechos do livro Os Cus de Judas:
A noite surge depressa demais nos trópicos, após um crepúsculo fugaz e desinteressante como o beijo de um casal divorciado por mútuo consentimento. As palmeiras que bordam a baía acenavam as rémiges das folhas em voos preguiçosos, as traineiras abandonavam o cais arrotando o gasóleo do jantar, o néon dos cabarés da Ilha piscava as pálpebras demasiado pintadas, em cujo chamamento ansioso ecoavam os apelos das mulheres das barracas de tiro do Parque mayer, cujas vozes roucas me povoaram os sonhos, na adolescência, de crocitos apavorantes. O calor vestia-nos os gestos de algodão pegajoso, e a água chegava a ferver dos canos num assobio de gêiser. Jantei sozinho num restaurante da Baixa, repleto de homens nédios, de pescoços a luzirem de suor como os dos bois minhotos, e dedos povoados de anéis de pedras pretas ou vermelhas, que submergiam no caldo verde bigodes de lontras esfomeadas. Um negro corcunda tentava sem sucesso impingir de mesa em mesa bonecos talhados a canivete de uma vulgaridade de plástico, até o empregado o enxotar com o guardanapo que pendurava do ombro, tão escuro de nódoas e fuligem como o lenço de um tomador de rapé. Um velhote calvo, de carranca de chafariz, abocanhava num canto uma mulata protegida da sua sanha por três voltas de colares, ocupada a devorar um sorvete gigantesco, monstruoso de frutas cristalizadas e de cremes, com uma cereja obscena no topo. Uma máquina elétrica de discos vomitava aos guinchos pasodobles de clube recreativo paranóico, e com o pano de fundo dessas sugestões toureiras que me obrigavam a berrar no bocal urros tremendos de cadeira de dentista, telefonei à hospedeira da TAP que me esperava, de Logan’s em riste, num terceiro andar do Bairro Prenda, metida nuns jeans tão apertados que quase se percebia, através do tecido, o pulsar das veias das coxas. Um cão minúsculo, parecido com um rato pernalta e magro, reteso de hostilidade azeda, veio ladrar-me, furioso, aos tornozelos, e eu pensei em levá-lo de presente ao alferes catanguês para o café da manhã de domingo, no intuito amável de lhe variar a dieta. A rapariga agarrou nele por uma pata, atirou-o para o interior da cozinha onde o bicho tombou num ganido lancinante de fraturas múltiplas, e fechou a porta com um pontapé; o passo seguinte seria, provavelmente, esmagar-me os testículos com uma joelhada de artes marciais, e no dia imediato encontrariam o meu cadáver, horrorosamente mutilado, no meio de móveis em desordem e de pedaços de garrafas.


...


Entretanto, e se estiver de acordo, talvez possamos tentar fazer amor, ou seja, essa espécie de ginástica pagã que nos deixa no corpo, depois de acabado o exercício, um gosto suado de tristeza no desastre suado dos lençóis: a cama não range, é improvável que a válvula de descarga do andar de cima vomite a esta hora o conteúdo limoso do seu estômago, perturbando as carícias sem ternura que são como que o motor de arranque do desejo, nenhum de nós sente pelo outro mais do que uma cumplicidade de tuberculosos num sanatório, feita da melancólica tristeza de um destino comum, já vivemos demais para correr o risco idiota de nos apaixonarmos, de vibrarmos nas tripas e na alma exaltações de aventura, de nos demorarmos tardes a fio diante de uma porta fechada, de ramo de flores em riste, ridículos e tocantes, a engolir cuspes aflitos de José Matias. O tempo trouxe-nos a sabedoria da incredulidade e do cinismo, perdemos a franca simplicidade da juventude com a segunda tentativa de suicídio, em que acordamos num banco de hospital sob o olho celeste de um S. Pedro de estetoscópio, e desconfiamos tanto da humanidade como de nós mesmos, por conhecermos o egoísmo azedo do nosso caráter oculto sob as enganadoras aparências de um verniz generoso.

...


Sofia, instalo-me no sanitário como uma galinha a ajeitar-se no seu choco, abanando as nádegas murchas das penas na auréola de plástico, solto um ovo de ouro que deixa na louça um rastro ocre de merda, puxo a válvula de descarga, cacarejo contentamentos de poedeira, e é como se essa melancólica proeza me justificasse a existência, como se sentar-me aqui, noite após noite, diante do espelho, a observar no vidro os vincos amarelos das olheiras e as rugas que em torno da boca se multiplicam numa fina teia misteriosa, idêntica à que cobre de leve os quadros de Leonardo, me assegurasse que ao fim de tantos anos de deixar-te permaneço vivo, durando, Sofia, neste aquário de azulejos que o foco do teto obliquamente ilumina, peixe morto à tona, de órbitas apodrecidas a boiarem.

O que já disseram:
Evidentemente Os Cus de Judas foi um escândalo. Toda a crítica bem pensante torceu o nariz para o seu suposto baixo nível. António Lobo Antunes foi acusado de desleixado e de escrever “como brasileiro”, o que para certos escalões engravatados e decadentes significa escrever mal. Mas não era apenas isto, Os Cus de Judas feria a pasmaceira lusitana, tocava nas feridas gangrenadas do colonialismo, na profunda lesão deixada pelas guerras coloniais e não recuava frente à rotina moribunda de uma sociedade que se contentava a ruminar glórias do século XVI e a chafurdar na mediocridade, temendo o futuro.
Márcio Souza


Aqui, trechos de uma entrevista com o escritor português:


Como o senhor define a sua obra?

Lobo Antunes:
Não entrei na literatura para ser um escritor qualquer. Quero ser maior que Tolstoi e Joyce – e acho que todo escritor tem de pensar assim, senão ele não produz nada. Ele tem de pensar em coisas grandes. Comecei a escrever porque queria revolucionar o romance, subverter a literatura, transformá-la em algo que ainda não existia, ofuscar os antepassados. Quero colocar tudo num livro, o mundo inteiro, minha vida inteira. Quero praticar a obra de arte total que imaginava Richard Wagner. Escrevo livros impossíveis. Se me ocorre uma história que me sinto incapaz de formular, é aí que começo um livro. Quero escrever sobre o que não entendo. É assim que vou contornando os problemas, e chamam isso de estilo experimental. Na verdade, é uma atitude de enfrentamento. E de liberdade. É por isso que não creio na profundidade. O que existem são infinitas superfícies superpostas. Quando você se aprofunda demais em um assunto, acaba saindo pelo outro lado, de mãos abanando. Escrever é um ato impossível, porque tudo o que interessa vem antes das palavras, como as intenções, os desejos, a loucura. Os poetas são maiores porque conseguem transferir essas coisas inomináveis para as palavras. Mas escrever também é um ofício, como o de carpinteiro. É preciso conhecer a técnica, para abandoná-la. Todo grande livro é uma reflexão profunda sobre a arte de escrever. Cada livro meu tem de ser um mundo.

Como o senhor escreve?

Lobo Antunes:
Preciso de pelo menos quatro horas diárias para escrever, com caneta. Nesse período, não posso ser interrompido. Escrevo sem pensar. Antes, eu montava os projetos de livros com personagens e um resumo de cada capítulo. Hoje parto de nada. É como se me deixasse levar por uma mão misteriosa. Gosto do estado crepuscular, entro o sono e a vigília, em que você não sabe exatamente onde está – e as ideias vem à tona. É por isso que, quando interrompo o trabalho, gosto de deixar a frase ao meio, para poder retomá-la no dia seguinte. É mais fácil que ter diante de si um capítulo acabado – e daí ter aquela paralisia da página em branco. Adoro escrever quando estou cansado. É no cansaço que as boas ideias aparecem.





sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Entrevistas de Playboy - Piquet X Senna

Mesmo quem não acompanhava nos anos 90 as corridas de Fórmula-1 sabia da rixa entre os pilotos brasileiros Ayrton Senna e Neslon Piquet. Piquet já era um veterano quando Senna entrou em cena (ops). Senna logo virou ídolo, deixando Piquet em segundo plano.

Com personalidades bem diferentes, ambos deram entrevistas à revista Playboy. Primeiro Piquet, em 1988 e Senna dois anos depois. Nelson Piquet nunca deu muita bola para a opinião dos outros, sendo, na opinião de alguns, excessivamente sincero, o que lhe rendeu vários desafetos, entre eles o próprio Ayrton Senna.

Depois que morreu em um acidente de trabalho em 1994, Senna se tornou ídolo nacional, virando nome de escolas, viadutos, ruas e avenidas em centenas de cidades do país. Mas poucos sabem o que se passava na cabeça dele. Na entrevista abaixo, é possível vislumbrar um pouco da sua mente, o que, na verdade, é assustador: ele tinha visões, delírios, admirava o presidente Collor e, enfim, cada país tem o ídolo que merece...



As entrevistas foram publicadas no livro As 30 melhores entrevistas de Playboy (Editora Abril, 2005, 313 páginas)


Nelson Piquet 1988

Para quem você corre, Piquet?
Para mim, oras. Corro porque gosto, porque me dá prazer. O dia em que eu me encher o saco, largo tudo e vou embora.

Sempre foi assim?
Claro. Para quem mais você acha que eu ia correr?

Não sei. Para a sua família, para os amigos que te deram força no começo da carreira...
Eu poderia muito bem dedicar as vitórias à minha mãe ou ao meu pai, que já morreu, mas seria pura demagogia [fala olhando para o filho mais velho, Geraldo, que assiste à entrevista]. Isso só serve para o cara ler no jornal e ficar babando. Na verdade, por que eu ganhei? Ganhei porque trabalhei como um filho da puta, porque sofri pra cacete... Eu ganhei pra mim, porra!


Ayrton Senna 1990

Esse seu, digamos, diálogo com Deus começou em 1988, em Mônaco, quando você liderava a prova com quase um minuto de vantagem sobre o Alain Prost e bateu o carro sozinho no guard-rail?
Exatamente. Aquilo não era apenas um erro de pilotagem. Era a consequência de uma luta interna que me paralisava e tornava vulnerável. Eu tinha uma abertura para Deus e outra para o diabo. O acidente foi um sinal de que Deus estava ali me esperando, para me dar a mão. Bastava eu dizer que queria. Foi uma experiência incrível. Ouvir falar de Deus é uma coisa. Mas eu experimentei, diante dos meus olhos, dos meus sentidos – o que é bem diferente. Não existe equívoco, não existe dúvida, não existe mal-entendido. É uma verdade.

Que outras experiências você teve?
Se conversar sobre minha vida amorosa é algo extraordinário, falar sobre Deus é ainda mais fora do comum. É muito, muito especial. É meu mundo. Aos olhos das pessoas comuns, que não têm fé, tudo é loucura, bobagem. Por isso, fica uma situação incômoda para mim. Ao mesmo tempo, por que não dividir experiências com as pessoas que, como aconteceu comigo, procuram a vida nova?
E como são os sinais que você recebe?
Vou contar uma experiência recente. No Grande Prêmio de Mônaco deste ano, em maio, percebi nos treinos de sábado que meu carro estava desequilibrado, sem possibilidade real de vitórias na corrida de domingo. A McLaren do Gerhard Berger, meu companheiro de equipe, apresentava os mesmos problemas. Bem, vencer em Montecarlo era muito importante e expliquei isso a Deus. Ele sabe de tudo o que se passa em nosso coração. Mas é necessário se entregar através do coração. Foi o que eu fiz. Quando chegou o domingo, ainda no warm-up, tive uma sensação e uma visão. Consegui me enxergar de fora do carro. Em volta da máquina do meu corpo, existia uma linha branca, uma espécie de onda, que se traduziu para mim como força e proteção.

Você conseguiu se ver?
Hã-hã.

Saiu do seu corpo?
Hã-hã. Entrei em outra dimensão. Tive uma paz incrível, e a certeza de que estava equilibrado, de corpo e alma, inteiro. Não tinha canto sobrando, estava tudo redondo, em harmonia. Geralmente, antes de largar, fico na minha, quietão. Dessa vez, até sorri. Saí do boxe, com aquele mesmo carro que um dia antes apresentou problemas, e os defeitos... pá! desapareceram! Estavam lá, mas não me incomodavam. Depois da corrida, o Berger veio conversar comigo, e disse que o carro dele continuou trepidando. Eu apenas sorri, não entrei em detalhe. Só que, comigo, não aconteceu nada.

Você lê a Bíblia diariamente?
Não. Mas, às vezes, mais do que uma vez por dia. É nela que aprendo pouco a pouco sobre o deus poderosos, que criou o céu, a Terra, o universo.

Como você se sente sendo patrocinado pela Marlboro?
A marca está ali no carro, mas não forço ninguém a fumar. A Philip Morris deu uma contribuição inestimável ao automobilismo. Foi ela que financiou a divulgação do esporte e deu a tanta gente a possibilidade de curtir uma corrida. Vejo por esse lado, e não pelo lado negativo que os outros enxergam, de que o cigarro é ruim, faz mal para a saúde.

Mas é ruim ou não?
É indiscutível que não traz muitos benefícios à saúde. Por outro lado, você vê gente que pára de fumar e engorda.

Já que estamos falando de patrocínio, quanto você tinha guardado no Banco Nacional quando o Plano Collor resolveu fechar as torneiras do país?
O suficiente para sentir a paulada. Mas foi uma medida necessária. O presidente Collor é um grande líder, e há muito tempo o Brasil precisava de alguém assim. Acho que ele é muito bom.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Origem - um filme que faz pensar


A Origem, de Christopher Nolan, era para ser mais um filme de ação banal, com tudo a quem tem direito um filme de ação banal, não fosse pelos espectadores e críticos. Esses espectadores conseguiram ver no filme muito mais do que ele tem, na realidade, a oferecer.

Em A Origem, tudo é falso: a realidade se confunde com o mundo dos sonhos e quase nunca se sabe se a ação decorre no mundo real ou apenas no inconsciente dos personagens. Mas a falsidade vai além da trama, ela continua na própria ideia de que estaríamos diante de um argumento original (quando já se viu isso tudo antes), de que o filme é complexo e profundo (quando é apenas propositalmente confuso e superficial), de que faz pensar.

Esse
"faz pensar" é que dá continuidade à falsidade mencionada acima. O que o filme dá, ao espectador de pouca estrada, é a falsa ideia de fazê-lo pensar, mesmo que ele não tenha qualquer pista sobre o que estaria pensando. A suposta complexidade de A Origem é a mesma de livros como O Código DaVinci ou Quando Nietzsche Chorou. O leitor/espectador/consumidor se vê envolvido por uma miscelânea de teorias velhas e bobas com roupagem brilhante de originalidade em uma narrativa que o leva confortavelmente pela mão o tempo todo. Como ele não foi exposto a nada disso antes, fica maravilhado com este mundo novo de "ideias".

O filme estrelado por Leonardo Di Caprio tem 148 minutos de duração. Ok, você dirá, uma trama complexa exige esse tempo mesmo para que seja pacientemente explicada. O problema é que em mais da metade do filme não ocorre nada além de perseguições de carro, explosões e tiroteios. Ah, sim, claro, não podemos nos esquecer das cenas de luta. Só que todas essas perseguições de carro, explosões, tiroteios e cenas de lutas são idênticas às cenas de ação de qualquer outro filme comercial e ainda duram muito mais, algumas com dez minutos ininterruptos sem diálogos, sem acrescentar nada ao filme. (diferente, por exemplo, da perseguição de carro em À prova de Morte, de Tarantino, divertida e criativa). Assim, tornam-se extremamente enfadonhas e tediosas. Mas é isso, creio eu, que o espectador médio quer ver: entretenimento puro. Mas apareceram alguns que, culpados por essas doses maciças de fotogramas direcionados a autistas, querem enxergar algo mais. E o roteiro colabora com toda essa lenga lenga pseudointelectual. Dar o nome de Ariadne a uma das personagens é um desses truques baratos.

Quanto às teorias do inconsciente propriamente ditas, são uma baboseira sem fim, com invencionices sem fundamento (como aquela das várias camadas do sonho) rasgando A Interpretação dos Sonhos, de Freud, em mil pedaços. O engraçado é que o sonho de todo mundo é idêntico à realidade, sem tirar nem por, com exceção feita, claro, aos tiroteios, perseguições e explosões. Aliás, quando foi a última vez que você sonhou com algo meramente parecido com isso? Pois é, para justificar a presença de tantas explosões nos sonhos do filme, o roteiro faz uma das acrobacias mais esdrúxulas da história do cinema, digna das comédias absurdas. Falando em comédia, chama a atenção essa frase do diretor: "Fiz questão de filmar em película e sem abusar de efeitos digitais". Só pode ser piada. Mas os fãs, inebriados, levam tudo muito a sério.

Surpreendentemente, os críticos também entraram nessa onda, fazendo avaliações positivas sobre o filme. Luis Antônio Girón, da Época, não fez uma crítica, mas simplesmente uma (mal-disfarçada) promoção comercial do filme, ou pelo menos soa assim o seu texto na revista, onde abundam adjetivos como "intrigante", "impressionante", "genial", também instiga o espectador a ir mais de uma vez ao cinema.


No fim das contas, A Origem é sim um filme que faz pensar. Quando estava no cinema não consegui parar de pensar: O que eu estou fazendo aqui?!


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Entrevistas de Playboy - Tim Maia

Em 1998 morreu Sebastião Rodrigues Maia, mais conhecido como Tim Maia. O folclórico cantor e compositor brasileiro (jamais cantor folclórico!) era verborrágico e dava ótimas entrevistas. Uma das poucas registradas por escrito foi concedida à revista Playboy em 1991, mais tarde publicada no livro As 30 melhores entrevistas de Playboy (Editora Abril, 2005, 313 páginas). Abaixo, alguns trechos dessa entrevista onde fala sobre Picasso, Roberto Carlos e masturbação.


Tim Maia (1991)
Vamos esclarecer de uma vez por todas: por que você vive faltando aos shows? Isso até já é uma de suas marcas registradas.
Algumas vezes eu fiquei de rebordosa, realmente... A alguns shows eu não fui e a outros deixei de ir porque não estava a fim – para explodir a coisa. Por exemplo, eu já faltei no People porque não se tem condições de cantar lá. Não tem som, não tem estrutura, cheio de doidão e de garçom careca passando na sua frente. Tenho o maior grilo com garçom careca.
Eu sou fã dos espanhóis. Sou fã do Picasso, do André Segóvia, do Paco de Lucia – mais do que os espanhóis não existe em matéria de arte: grande pintores, bailarinos, violonistas. Pois é o mesmo povo que mata um boi do jeito que eles matam, enfiando troços no pescoço do bicho, fazendo sangrar até morrer e gritando olé. Por que não enfiam um negócio daqueles no próprio rabo e não saem gritando olé. É esse tipo de espanhol que está no Brasil: os matadores de touro, os Recareys da vida, e nós somos os touros para eles.

Sobre Ed Motta
Daí a pouco o cara ficou besta pra caramba, nem fala mais comigo. Se deixar, ele manda o Tim Maia pra casa do cacete e me apaga. Ele não quer ser o sobrinho do Tim Maia – nada dessa história de continuar amigos e parentes. Levou meu conjunto pra tocar com ele, inclusive um músico que estava comigo há dez anos. Só que este já está louco pra voltar porque acha que meu sobrinho não está com essa bola toda. Bem que eu avisei o menino: “Vai devagar, que isso é uma explosão”. Acho que a explosão dele já deu o que tinha que dar. Gravadora é maior ilusão. No começo é retratinho na parede, aquele cheirinho de limpeza e, depois, é puro escravagismo, tipo Sargentelli [o empresário da noite Oswaldo Sargentelli].

O que o Sargentelli tem a ver com isso?
Foi quem inventou esse negócio de que preto só serve pra mostrar a bunda. Então as pretas não sabem nem falar, nem comer nem se vestir, moram no morro e vão mostrar a bunda pros turistas. Eles acham bacaba, mas, também, eles não têm muita coisa pra fazer. Enquanto está vivo, ele deveria angariar fundos para fundar uma escola de pretos, já que ele botou tanta presta pra mostrar a bunda. Enfim, fazer alguma coisa pela raça.Principalmente pelas mulatas, que ele chama de mulatas, mas que são pretas mesmo. Não existe esse negócio de mulata – é light skin ou mestiço. Mulata é cor de mula. Filho de preto com branco é mestiço.

E pra transar, você é dos delicados ou dos violentos?
Eu sou artista, sou do amor. Se duvidar eu até deixo a moça me comer, de tão gentil que sou. O que eu sou é um pouco afoito por causa da fimose.

Você não acha que bebida demais também atrapalha o desempenho?
Não. Um bom uísque, bem controlado – pra também não broxar até ajuda. Com um bom 12 anos, na décima dose tanto faz ter ou não ter fimose. Fica até difícil de baixar.

Você broxa muito?
Nunca broxei na minha vida.

O que é melhor? Um grande porre ou uma grande mulher?
Uma mulher. O porre faz mal ao fígado. E também não é só sexo. Existe o amor, a companhia, tenho certeza disso. Do meu peru eu sei que elas não têm saudade. Mas do meu carinho, do papo, do violãozinho quando elas chegavam em casa, de ver a novela com elas, ah, isso elas têm.

Ser gordo atrapalha para transar?
O problema do gordo é só um: quando ele beija, não penetra; e, quando penetra, não beija.

Há pouco você declarou à Folha de São Paulo que seu hobby era masturbação. É mesmo?
É verdade. Até hoje eu toco minhas punhetinhas, graças a Deus. Às vezes, até com a mulher do lado. Masturbação é um troço da mente. Tomo um gorozinho legal, tomo um banho, aí vem a inspiração e eu descasco aquela bananinha.

Roberto Carlos é um geniozinho?
Não. Roberto Carlos é inteligente, batalhador e canta mais ou menos.

E Tim Maia?
Por enquanto é um sujeito que, em vez de estar dormindo com uma Miss Brasil maravilhosa até as 9 da manhã, acaba dormindo com uma prostituta que sai correndo às 6h43 e ainda leva quinzinho. Mas isso vai mudar.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Rubem Fonseca


Quando leio um romance ou um conto novo de algum autor consagrado, tento fazê-lo como se fosse a obra de um desconhecido, para não me influenciar no julgamento da leitura. Uso esse exercício para evitar uma coisa que eu vejo seguidamente por aí: García Márquez escreve "Era uma vez..." e já há milhares de seguidores exclamando: "É gênio!" "Incrível a habilidade dele com as palavras!", ou esse mesmo tipo de leitor, diante da capa do novo livro do Saramago na gôndola da Livraria Cultura, já se entusiasma: "Bárbaro, bárbaro!".

Pois o autor com quem mais me vali do artifício "leia como se fosse um novato" foi Rubem Fonseca. E é surpreendente aplicar essa estratégia de leitura com sua obra pois, muitas vezes, o texto parece justamente de um novato de pouco talento que, nas ânsia de imitar o estilo do seu mestre, acaba incorrendo no exagero, na repetição dos temas, no exibicionismo lexical, enfim, num pastiche gratuito. Para deixar o leitor decidir, coloco abaixo alguns trechos de livros do Fonseca. (Ah, não consigo me esquecer de uma colega de faculdade, anos atrás, que ficou indignada por ter que ler Rubem Fonseca. As palavras dela depois da leitura foram: "Fiquei chocada." Meu conselho? Vá ler Jane Austen.)

Do conto “Placebo”, do Livro O buraco na parede:

O primeiro objeto que comprei foi um relógio. Isso não parece nada de mais, mas eu era muito pobre, tinha nove anos e o dinheiro tinha sido roubado da minha avó. Eu mantinha o relógio escondido e esperava todo mundo dormir para acender uma vela de madrugada e olhar o ponteiro de segundos se mover, ouvir o tictac. O primeiro relógio portátil, invenção de um alemão no século XVI, tinha apenas um ponteiro, o de horas. Naquele tempo os minutos eram coisas desprezíveis. Antes, os relógios não tinham nem ponteiros nem mostradores e funcionavam como carrilhões apenas. E ainda antes, existiam apenas relógios de sol, ampulhetas, brinquedos, não havia pressa, não havia necessidade de marcar o tempo, nada de importante podia ser feito em minutos, nem mesmo em horas. Havia também os sinos das igrejas, a igreja sempre marcou o tempo, uma forma de controlar a vida dos fiéis, de dizer que o tempo estava passando e alertar que com a passagem do tempo o Juízo Final se aproximava. Deixei de ser um fodido porque para mim os minutos não eram coisas desprezíveis, subi na vida por ser pontual, obsessivamente pontual, nunca faltando, sempre chegando antes da hora. Aquele ponteiro de segundos do relógio comprado com dinheiro roubado de uma velha pobre me marcou para o resto da vida. Agora eu tinha mais de vinte relógios e nunca saía de casa sem estar com no mínimo dois, um no pulso outro no bolso.


Do conto Carpe diem, do livro Histórias de amor

Ele diz que só vê os filmes bons, mas quem só vê os filmes bons não gosta de cinema.

O que seria do mundo se o cinema não tivesse sido inventado?

Horrível.


Do conto Copromancia, do livro Secreções, excreções e desatinos:

Durante algum tempo conservamos e analisamos as minhas fezes e discutimos a sua fenomenologia. Um dia, estávamos na casa de Anita e ela me chamou para ver suas fezes no vaso sanitário. Confesso que fiquei emocionado, senti o nosso amor fortalecido, a confiança entre os amantes tem esse efeito. Infelizmente o aparelho sanitário de Anita era do tal modelo alto e afunilado, e isso prejudicara a integridade das fezes que ela me mostrava, causando uma distorção exógena que tornara a massa ilegível. Expliquei isso para Anita, disse-lhe que para impedir que o problema voltasse a ocorrer ela teria que usar o meu vaso especial. Anita concordou e afirmou que ficara feliz ao contemplar as minhas fezes e que ao mostrar-me as suas se sentira mais livre, mais ligada a mim.


Do livro Diário de um fescenino

“O diálogo é sabidamente um recurso de escritores medíocres.”


“Mulher é bom, mas dá trabalho.”


“Todas as verdades são velhos clichês, as mentiras é que conseguem às vezes ser originais.”


“Os escritores são maus amantes, maus amigos, má companhia.”


“Não é fácil falar e ainda mais escrever sobre as mulheres, a sensibilidade e a mente delas são muito mais complexas e ricas do que as nossas, dos machos.”


“Os únicos vendedores de sexo com características singulares são os travestis, que vivem no mundo da fantasia. Putas a veados do mundo real são iguais aos seus vizinhos.”


“Teoricamente um sujeito que lê não pode ser estúpido. O indivíduo que vive na frente da televisão apertando o controle remoto, esse, sim, é indubitavelmente um bestalhão. Se ainda não for, depois de algum tempo se tornará um. Mas, um leitor?”


“Muitos escritores se mataram e outros ainda vão se matar, talvez até eu mesmo, essa profissão costuma levar à depressão, à loucura, ao alcoolismo, às drogas e ao suicídio.”


“Eu não conheço um sujeito com sucesso na profissão que não esteja engordando.”


“Por que você se tornou escritor?”


A única resposta inteligente para esta pergunta é aquela do Montalbán, tornei-me escritor para ficar alto e bonito."


“Não procure me entender pelo que escrevo nos meus livros, por favor.”


Capítulo 2 de maio:

Almocei com o Pedro Martins, meu colega de ginásio. Hoje ele é um advogado tributarista. Não tenho muita convivência com os meus amigos, não tenho assunto com eles, mesmo com o Pedro, que conheço desde que éramos adolescentes. Não me lembro de jamais ter me sentado à mesa com amigos ou conhecidos numa tarde de sábado, ou outro dia e hora qualquer, para beber e conversar. A companhia masculina é muito chata. Com o Pedro Martins eu almoço uma, duas vezes por ano, por insistência dele. É um bom sujeito, inteligente, supõe ser um lúcido e isento observador da sociedade, mas isso não existe, o sujeito é sempre influenciado por sua libido, ideologia, religião, etnia, idade, condição sócio-econômica, tônus muscular, até pelo diâmetro abdominal. O Pedro, quando garoto, tinha o apelido de Gralha, era muito magro, raquítico mesmo. Depois do ginásio ele foi estudar direito e eu outra coisa. Fiquei uns oito anos sem vê-lo e quando nos reencontramos quase não o reconheci. Ele tinha se tornado um sujeito parrudo, de pescoço e braços grossos, peito dilatado. Explicou que era musculação. Fazia musculação todos os dias, antes de ir trabalhar, e às vezes repetia algumas “séries específicas, só perna, só braço, só peito” à noite, antes de ir para casa. Ele entrou na minha frente no restaurante e notei que ele caminhava com as pernas retesadas e afastadas uma da outra, como as pernas traseiras de um cão dobermann. Pedro tem uma mulher encantadora, no entanto busca pretextos para sair de casa, não para encontrar com outra, como todo homem casado agarra com unhas e dentes as oportunidades para se livrar, de maneira bem-comportada, da presença da esposa, nem que seja por um tarde.

19 de agosto

Byron anotou no seu diário: “Só Deus sabe as contradições que este diário pode conter. Se sou sincero comigo mesmo (infelizmente mente-se mais para si do que para os outros), cada página deve invalidar, refutar e inteiramente repudiar a que a antecede”.