“Apesar de ser descendente de campeiros, sempre detestei a vida rural, nunca passei mais de cinco dias numa estância, não sabia e não sei ainda andar a cavalo – para escândalo e vergonha de meu avô Aníbal – desconhecia e ainda desconheço o jargão gauchesco. Embora admire os trabalhos isolados de escritores como Simões Lopes Neto, Darcy Azambuja, Ciro Martins e Vargas Neto, nunca morri de amores pelo regionalismo e, para ser sincero, tinha e ainda tenho para com esse gênero literário as minhas reservas, pois acho-o limitado e, em certos casos, com um certo odor e um imobilismo anacrônico de museu. (...) Concluí que a verdade sobre o passado do rio Grande do Sul devia ser mais viva e bela que a sua mitologia. E quanto mais examinava a nossa História, mais convencido ficava da necessidade de desmitificá-la.”
Ainda sobre o regionalismo:
“Faltava aos nossos “guascas” densidade psicológica, esse tipo de conflito capaz de produzir drama. Sobre homens assim vazios – concluí, então, levianamente – era impossível escrever um romance que tivesse caráter e nervo."
Sobre a opção de ser escritor:
“Concluí que jamais viria a ser um bom desenhista, isto é, um criador. Se havia para mim alguma esperança, essa estava no quadrante das letras e particularmente no da ficção. No entanto eu insistia em apenas traduzir. Era ainda uma atitude de caramujo. Recusando produzir literatura própria, eu nada mais fazia que buscar proteção à sombra de nomes literários consagrados. De resto, refletia eu, quem no mundo poderia interessar-se pelo que eu viesse a criar, pois já chegara à firme conclusão de que me faltava talento para a poesia e carecia de cultura para o ensaio. Restava-me tentara ficção.”
Outros trechos:
“Nem tudo que acontece na vida real torna-se necessariamente verossímil quando transposto para o plano da ficção.”
“Minha mãe me mandou um prato de comida. Mal toquei nos alimentos, pois sempre achei indecente e até repugnante misturar morte com coisas de comer. O bife vinha de um animal morto. Era carne de cadáver.”
“Como pode um romancista do sexo masculino – perguntou-me alguém um dia – descrever com verdade e autenticidade os sentimentos duma mulher? Expliquei-lhe que, no meu caso, sempre que tinha que fazer isso eu procurava ser essa mulher. Meu interlocutor me olhou meio espantado e calou-se, aparentemente insatisfeito, e talvez até meio desconfiado de minha masculinidade.”
Geralmente ele elogia a maioria das pessoas que cita, mas aqui sobram algumas raras críticas:
“Ninguém negará grandeza a importância literária à obra de Ernest Hemingway. Mais de um crítico, porém, tem mencionado o fato de não se encontrar nos contos, novelas e romances desse escritor uma única personagem feminina verossímil, viva, plenamente realizada na sua condição de fêmea. Creio que isso se deve à obsessão que o grande escritor americano tinha de provar que era macho – o caçador de leões, o explorador, o aficionado das corridas de touros. No momento de descrever suas personagens do sexo oposto ele recusava, imagino, liberar seu componente feminino e meter-se no corpo delas, sentir como elas, amar como elas...
No fundo talvez isso fosse um sinal de insegurança quanto à sua própria condição de macho, o temor de que alguém pudesse pôr em dúvida sua virilidade.”
“Gilberto Freyre, que escreveu um artigo simpático mas um tanto ambivalente sobre O Continente, insinuou que o fato de eu ter escolhido um sobrado como centro do romance era um sinal de que a influência da ficção nordestina já se fazia sentida no sul do país. O ilustre sociólogo não levou em conta a possibilidade de que o autor tivesse tido em sua vida de menino um sobrado, como foi exatamente o meu caso.
“Minha mãe me mandou um prato de comida. Mal toquei nos alimentos, pois sempre achei indecente e até repugnante misturar morte com coisas de comer. O bife vinha de um animal morto. Era carne de cadáver.”
“Como pode um romancista do sexo masculino – perguntou-me alguém um dia – descrever com verdade e autenticidade os sentimentos duma mulher? Expliquei-lhe que, no meu caso, sempre que tinha que fazer isso eu procurava ser essa mulher. Meu interlocutor me olhou meio espantado e calou-se, aparentemente insatisfeito, e talvez até meio desconfiado de minha masculinidade.”
Este trecho é bastante inusitado:
“Conservava muito viva na memória uma cena que se passara havia uns dois anos sob os andaimes de uma construção que se fazia nas vizinhanças da nossa casa. Trabalhava nela como pedreiro um mulato de seus dezoito anos, alto e magro, com olhos de tuberculoso. Chamava-se Perez, e um de seus depravados prazeres era o de, na hora de folga entre o almoço e o turno da tarde, proporcionar aos meninos das redondezas um exibição grátis de seu falo. Éramos todos rapazotes de cinco a oito anos, quando muito. Ficávamos olhando numa seriedade silenciosa, entre assustados e curiosos, para o pênis do Perez, aquela coisa que ele tinha entre as pernas, aquele bicho latejante, aquela lingüiça viva que ele nos mostrava sorrindo, e que nenhum de nós ousava sequer tocar com a ponta dos dedos. Saíamos daquela exibição um tanto humilhados, pensando nos nossos membrinhos diminutos e comparando-os com o minhocão do pedreiro.”
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