sábado, 15 de dezembro de 2012

Mario Quintana

Apesar de ser um ícone literário da cidade onde  nasci (ou talvez por isso mesmo), nunca havia lido Mario Quintana além dos seus livros infantis. (não sei se eram propriamente infantis, mas minha mãe os lia para mim quando criança).

E Quintana, junto com Verissimo, Lispector e Caio Fernando Abreu, é uma daquelas vítimas de frases e textos com falsa atribuição de autoria que se espalham como praga pela internet. Por isso fui ler só pra constatar que ele não é bem aquele velhinho bondoso e cheio de esperança que as pessoas gostam de pensar que ele seja. Pelo contrário. Abaixo, alguns trechos de Quintana.


Libertação

A morte é a libertação total:
A morte é quando a gente pode, afinal,
Estar deitado de sapatos...



Reflexos, reflexões

I
Quando a idade dos reflexos, rápidos, inconscientes, cede lugar à idade das reflexões – terá sido a sabedoria que chegou? Não! Foi apenas a velhice.

II
Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum.

III
Ora, ora! não se preocupe com os anos que já faturou: a idade é o menor sintoma da velhice.


A divina caçada

Parece que foi Gagarin, glorioso herói do espaço, que disse que não viu Deus nas alturas – ele que bem devia saber que não existe um “lá em cima” nem um “lá embaixo” – suposta moradia de Deus e do Diabo. Quando a gente era deste tamanhozinho, aí sim, Deus estava logo ali por detrás das estrelas, todas elas muito perto também. Depois nos aconteceu, com a sapiência adulta, essa infinita distância... Mas na verdade as crianças estavam mais próximas da verdade. Pois Deus não será a procura de Deus? Aquilo mesmo que, dentro de nós, o procura? Tanto assim que o próprio “herege” Renan, perguntando-lhe alguém se Deus existia, respondeu simplesmente: - Ainda Não.

Raízes

Quando colegial, como eu gostava do cheiro úmido das raízes dos vegetais! Porém, ao lado desse mundo natural, queriam-me fazer acreditar no mundo seco das raízes quadradas, que para mim tinham algo de incompreensíveis signos de linguagem marciana. Mas a tortura máxima eram as raízes cúbicas. Felizmente agora os robôs tomaram conta disso e de outras coisas parecidas com eles... Felizmente não mais existe o meu velho professor de matemática. Se não ele morreria aos poucos de raiva e frustração por ser ver sobrepujado, por me ver continuando a fazer coisas aparentemente insólitas porque não constam de currículos e compêndios, porque agora, meu caro professor, agora o marciano sou eu mesmo.



A revelação
 Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... E não a gente a ele!


Está na cara
Uma cara é algo que reconhecemos á primeira vista mas é dificílimo ou impossível descrever traço a traço. Porque a memória é instantânea. Não lhe peçam explicações. Seria como pedir a um relâmpago que nos desse uma exibição em câmera lenta.

E da mesma forma que dizemos na rua: “Olha o Fulano!” – a gente logo exclama ao folhear um álbum:

“Olha um Renoir! Olha um Van Gogh! Olha uma Tarsila!” E assim também se nos dizem um poema:

“Mas isto só pode ser da Cecília, do Lorca, do Apollinaire!”

Porque o estilo é a cara.


Depois de tudo
Acusarem um poeta de ser egoísta é acusá-lo de ser ele mesmo.

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