E Quintana, junto com Verissimo, Lispector e Caio Fernando Abreu, é uma daquelas vítimas de frases e textos com falsa atribuição de autoria que se espalham como praga pela internet. Por isso fui ler só pra constatar que ele não é bem aquele velhinho bondoso e cheio de esperança que as pessoas gostam de pensar que ele seja. Pelo contrário. Abaixo, alguns trechos de Quintana.
Libertação
A morte é a libertação total:
A morte é quando a gente pode, afinal,
Estar deitado de sapatos...
Reflexos, reflexões
I
Quando a idade dos reflexos, rápidos, inconscientes, cede
lugar à idade das reflexões – terá sido a sabedoria que chegou? Não! Foi apenas
a velhice.
II
Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com
respeito e os rapazes sem respeito nenhum.
III
Ora, ora! não se preocupe com os anos que já faturou: a
idade é o menor sintoma da velhice.
A divina caçada
Parece que foi Gagarin, glorioso herói do espaço, que disse
que não viu Deus nas alturas – ele que bem devia saber que não existe um “lá em
cima” nem um “lá embaixo” – suposta moradia de Deus e do Diabo. Quando a gente
era deste tamanhozinho, aí sim, Deus estava logo ali por detrás das estrelas,
todas elas muito perto também. Depois nos aconteceu, com a sapiência adulta,
essa infinita distância... Mas na verdade as crianças estavam mais próximas da
verdade. Pois Deus não será a procura de Deus? Aquilo mesmo que, dentro de nós,
o procura? Tanto assim que o próprio “herege” Renan, perguntando-lhe alguém se
Deus existia, respondeu simplesmente: - Ainda Não.
Raízes
Quando colegial, como eu gostava do cheiro úmido das raízes
dos vegetais! Porém, ao lado desse mundo natural, queriam-me fazer acreditar no
mundo seco das raízes quadradas, que para mim tinham algo de incompreensíveis
signos de linguagem marciana. Mas a tortura máxima eram as raízes cúbicas.
Felizmente agora os robôs tomaram conta disso e de outras coisas parecidas com
eles... Felizmente não mais existe o meu velho professor de matemática. Se não
ele morreria aos poucos de raiva e frustração por ser ver sobrepujado, por me
ver continuando a fazer coisas aparentemente insólitas porque não constam de currículos
e compêndios, porque agora, meu caro professor, agora o marciano sou eu mesmo.
A revelação
Está na cara
Uma cara é algo que reconhecemos á primeira vista mas é
dificílimo ou impossível descrever traço a traço. Porque a memória é
instantânea. Não lhe peçam explicações. Seria como pedir a um relâmpago que nos
desse uma exibição em câmera lenta.
E da mesma forma que dizemos na rua: “Olha o Fulano!” – a
gente logo exclama ao folhear um álbum:
“Olha um Renoir! Olha um Van Gogh! Olha uma Tarsila!” E assim
também se nos dizem um poema:
“Mas isto só pode ser da Cecília, do Lorca, do Apollinaire!”
Porque o estilo é a cara.
Depois de tudo
Acusarem um poeta de ser egoísta é acusá-lo de ser ele
mesmo.
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