Prova disso é seu livro Partículas Elementares (Sulina, 1999), que conquistou malas ao redor do mundo, como Juremir Machado da Silva, seu tradutor no Brasil. (tradução esquisita, por sinal, recheada de coisas estranhas, e gigantescamente cheia de erros de revisão). Houllebecq escreveu um livro pretensioso. Quis fazer a crítica a uma geração, mas tarde demais, pois a tal geração já havia passado; se acha crítico e sagaz, mas é apenas bobo; quis emocionar e levar o leitor às lágrimas no final do livro (e ele mesmo afirmou isso em entrevista, onde ainda acrescentou: "É a qualidade que mais admiro na literatura: a capacidade de fazer chorar. Há dois elogios que aprecio: "Eu li em uma noite." e "Me fez chorar"), mas apenas escreveu uma dramalhão mexicano forçado à moda SBT.
Houllebecq é um cara fodão. Ele gosta de posar para fotos sempre fumando um cigarro, para deixar claro que sua inexorável rebeldia não se dobra aos nossos tempos politicamente corretos. Mas desconfio que ele não traga.
Enfim, o livro não de todo tão ruim, só que é difícil levá-lo a sério, como o autor gostaria. Até tem alguns trechos divertidos, como esses abaixo:
(...) Começava a encher o saco dessa estúpida mania pró-Brasil. Por que o Brasil? Conforme tudo o que sabia, o Brasil era um país de merda, povoado de brutos fanáticos por futebol e por corridas de automóvel. A violência, a corrupção e a miséria estavam no apogeu. Se havia um país detestável, era justamente, e especificamente, o Brasil.
“Sophie”, exclamou Bruno com força. “Eu poderia ir ao Brasil, em férias. Passearia nas favelas, num microônibus blindado; observaria os pequenos assassinos de oito anos; não sentiria medo, protegido pela blindagem; à tarde, iria à praia, entre riquíssimos traficantes de droga e de proxenetas; no meio dessa vida desenfreada, dessa urgência, esqueceria a melancolia do homem ocidental; tens razão. Sophie: ao voltar, pegarei informações numa agência Nouvelles Frontières”.
“Não sirvo para nada”, disse Bruno, com resignação. “Sou incapaz de criar porcos. Não tenho a menor noção de como se produzem salsichas, garfos ou telefones celulares. Sou incapaz de produzir qualquer um dos objetos que me cercam, que utilizo ou devoro. Não sou nem mesmo capaz de compreender os seus processos de produção. Se a indústria parasse, se os engenheiros e técnicos especializados desaparecessem, eu seria incapaz do menor recomeço. Fora do complexo econômico-industrial, não conseguiria nem sequer sobreviver; não saberia como me alimentar, vestir, proteger-me das intempéries; as minhas competências técnicas pessoais são amplamente inferiores às do homem de Neandertal. Totalmente dependente da sociedade que me cerca, sou quase inútil. Tudo que sei fazer é produzir comentários duvidosos sobre objetos culturais ultrapassados. Recebo, porém, um salário, amplamente superior à média. A maioria das pessoas em torno de mim está na mesma situação. No fundo, meu irmão é a única pessoa útil que eu conheço.
- Que fez ele de tão extraordinário?
Bruno refletiu. Virou, no prato, o pedaço de queijo, em busca de uma resposta de impacto.
- Criou novas vacas.
Eu peguei o livro na biblioteca da faculdade, e ele estava cheio de anotações a lápis nas margens, o que tornou a leitura mais divertida. Abaixo coloco alguns trechos com as respectivas anotações desse leitor anônimo, que desconfio que não seja um homem. Esclareço que os comentários anotados não refletem a minha opinião.
Passados 30 anos, mais uma vez só podia chegar à mesma conclusão: decididamente as mulheres eram melhores do que os homens: mais carinhosas, mais amantes, mais compreensivas e mais doces; menos inclinadas à violência, ao egoísmo, à auto-afirmação, à crueldade. Além disso, mais razoáveis, mais inteligentes e mais trabalhadoras.
Anotação:
(só rindo! Coitado..)
ATÉ PARECE!
Se são da mesma espécie, não podem ser diferentes!
(...) Um mundo composto por mulheres seria, sob todos os pontos de vista, infinitamente superior; evoluiria mais lentamente, mas com regularidade, sem retrocessos e reviravoltas nefastas, rumo a um estado de felicidade comum.
Anotação:
se destruiria mais rápido, com certeza. As mulheres são ditatoriais por natureza. E cínicas.
(...) O pré-adolescente é um monstro duplicado em imbecil, de um conformismo quase inacreditável; parece a cristalização súbita, maléfica (e imprevisível, considerando-se a criança) do que há de pior no homem.
Anotação:
há! Há! Há! Sábias palavras
(...) Quando soube que esperava um menino, sofri um choque terrível. Não podia ser pior. Eu deveria estar feliz, mas, aos 28 anos, já me sentia morto.”
Anotação:
(eu também)
(...) Ao descer do trem, depois ao atravessar a cidade, fiquei, mais do que tudo, surpreso com a pequenez e feiura desta – sem absolutamente nada que interessasse.”
Anotação:
(Viamão)
Ela tinha vivido, cheirado coca, participado de surubas, dormido em hotéis de luxo.
Anotação:
e ainda era entediada!
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