A Origem, de Christopher Nolan, era para ser mais um filme de ação banal, com tudo a quem tem direito um filme de ação banal, não fosse pelos espectadores e críticos. Esses espectadores conseguiram ver no filme muito mais do que ele tem, na realidade, a oferecer.
Em A Origem, tudo é falso: a realidade se confunde com o mundo dos sonhos e quase nunca se sabe se a ação decorre no mundo real ou apenas no inconsciente dos personagens. Mas a falsidade vai além da trama, ela continua na própria ideia de que estaríamos diante de um argumento original (quando já se viu isso tudo antes), de que o filme é complexo e profundo (quando é apenas propositalmente confuso e superficial), de que faz pensar.
Esse "faz pensar" é que dá continuidade à falsidade mencionada acima. O que o filme dá, ao espectador de pouca estrada, é a falsa ideia de fazê-lo pensar, mesmo que ele não tenha qualquer pista sobre o que estaria pensando. A suposta complexidade de A Origem é a mesma de livros como O Código DaVinci ou Quando Nietzsche Chorou. O leitor/espectador/consumidor se vê envolvido por uma miscelânea de teorias velhas e bobas com roupagem brilhante de originalidade em uma narrativa que o leva confortavelmente pela mão o tempo todo. Como ele não foi exposto a nada disso antes, fica maravilhado com este mundo novo de "ideias".
O filme estrelado por Leonardo Di Caprio tem 148 minutos de duração. Ok, você dirá, uma trama complexa exige esse tempo mesmo para que seja pacientemente explicada. O problema é que em mais da metade do filme não ocorre nada além de perseguições de carro, explosões e tiroteios. Ah, sim, claro, não podemos nos esquecer das cenas de luta. Só que todas essas perseguições de carro, explosões, tiroteios e cenas de lutas são idênticas às cenas de ação de qualquer outro filme comercial e ainda duram muito mais, algumas com dez minutos ininterruptos sem diálogos, sem acrescentar nada ao filme. (diferente, por exemplo, da perseguição de carro em À prova de Morte, de Tarantino, divertida e criativa). Assim, tornam-se extremamente enfadonhas e tediosas. Mas é isso, creio eu, que o espectador médio quer ver: entretenimento puro. Mas apareceram alguns que, culpados por essas doses maciças de fotogramas direcionados a autistas, querem enxergar algo mais. E o roteiro colabora com toda essa lenga lenga pseudointelectual. Dar o nome de Ariadne a uma das personagens é um desses truques baratos.
Quanto às teorias do inconsciente propriamente ditas, são uma baboseira sem fim, com invencionices sem fundamento (como aquela das várias camadas do sonho) rasgando A Interpretação dos Sonhos, de Freud, em mil pedaços. O engraçado é que o sonho de todo mundo é idêntico à realidade, sem tirar nem por, com exceção feita, claro, aos tiroteios, perseguições e explosões. Aliás, quando foi a última vez que você sonhou com algo meramente parecido com isso? Pois é, para justificar a presença de tantas explosões nos sonhos do filme, o roteiro faz uma das acrobacias mais esdrúxulas da história do cinema, digna das comédias absurdas. Falando em comédia, chama a atenção essa frase do diretor: "Fiz questão de filmar em película e sem abusar de efeitos digitais". Só pode ser piada. Mas os fãs, inebriados, levam tudo muito a sério.
Surpreendentemente, os críticos também entraram nessa onda, fazendo avaliações positivas sobre o filme. Luis Antônio Girón, da Época, não fez uma crítica, mas simplesmente uma (mal-disfarçada) promoção comercial do filme, ou pelo menos soa assim o seu texto na revista, onde abundam adjetivos como "intrigante", "impressionante", "genial", também instiga o espectador a ir mais de uma vez ao cinema.
No fim das contas, A Origem é sim um filme que faz pensar. Quando estava no cinema não consegui parar de pensar: O que eu estou fazendo aqui?!