sábado, 10 de abril de 2010

O Demônio do Meio-dia

O autor americano Andrew Solomon é responsável pelo melhor livro já escrito sobre depressão. Em O Demônio do Meio-dia (Objetiva, 2002, tradução de Myriam Campello) ele alia, com muita classe e clareza, depoimentos extremamente pessoais (seus e de outros) com informações médicas, psicológicas, sociológicas e históricas relevantes. Certamente não existe livro mais completo que esse sobre o assunto. Mesmo assim, a parte mais importante é onde ele se expõe, narrando os seus primeiros episódios depressivos até ter chegado ao fundo do poço e seu esforço para sair de lá.

Não, não tem mensagens positivas de livros de autoajuda, mas um relato honesto e profundo do que se passa na cabeça e no mundo de alguém que sofre de depressão.

Abaixo, coloco alguns trechos do livro.


Capítulo 1 - Depressão

A depressão é a imperfeição no amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou receber afeição. É a solidão dentro de nós que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo. Embora não seja nenhum profilático contra a depressão, o amor é o que acolchoa a mente e a protege de si mesma. Medicamentos e psicoterapia podem renovar essa proteção, tornando mais fácil amar e ser amado, e é por isso que funcionam. Quando estão bem, alguns amam a si mesmos, alguns amam outros, alguns amam o trabalho e alguns amam Deus: qualquer uma dessas paixões pode fornecer o sentido vital de propósito que é o oposto da depressão. O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta de significado da própria vida se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado despido de amor é a insignificância.


Capítulo 2 - Vício


A maioria das pessoas que abusam de substância o faz porque se sente bem ao fazê-lo. Os especialistas destacam que há motivações fortes para se evitar as drogas; mas há também fortes motivações para consumi-las. As pessoas que afirmam não entenderem por que alguém se torna viciado em drogas são geralmente as que nunca experimentaram (...) Sentir o desejo de repetir algo porque é prazeroso não é o mesmo que ter necessidade de repetir algo por ser intolerável ficar sem ele.

A heroína foi originalmente desenvolvida pelo pessoal da aspirina Bayer como remédio contra a tosse, e o ecstasy patenteado por farmacólogos na Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial (...)


Capítulo 7 - Suicídio


Há sutis mas importantes diferenças entre querer estar morto, querer morrer e querer se matar.


O suicídio não é o resultado da passividade; é o resultado de uma ação. Requer uma grande quantidade de energia e uma vontade forte, além de uma crença na permanência do momento atual e pelo menos um toque de impulsividade.

O direito ao suicídio devia ser uma liberdade civil básica.

Os Estados Unidos são o único país do mundo onde o principal meio usado para o suicídio são as armas.


Capítulo 12 - Esperança


Freud observou que o melancólico tem "um olho mais agudo para a verdade que os não-melancólicos". Uma compreensão exata do mundo e do eu nunca foi uma prioridade evolucionária: não servia ao objetivo de preservação da espécie. Uma visão otimista demais resulta numa tola tomada de risco, mas o otimismo moderado é uma forte vantagem seletiva.


O fato é que o existencialismo é muito verdadeiro quanto à tendência à depressão. A vida é fútil. Não conseguimos saber por que estamos aqui. O amor é sempre imperfeito. O isolamento da individualidade corporal é impenetrável. Por mais que você faça nesta Terra, sempre morrerá. É uma vantagem seletiva poder tolerar tais realidades, olhar para outras coisas, e continuar - esforçar-se, buscar, encontrar e não ceder.(...)

Os depressivos vêem o mundo claramente demais, perderam a vantagem seletiva da cegueira.



E o último parágrafo do livro:

O oposto da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade, e minha vida, enquanto escrevo isto, é vital, mesmo quando triste. Posso acordar de novo sem minha mente em algum dia do próximo ano: provavelmente ela não ficará por aí o tempo todo. Enquanto isso, porém, descobri o que tenho que chamar de alma, uma parte de mim que eu jamais teria imaginado até o dia, sete anos atrás, em que o inferno veio me visitar de surpresa. É uma descoberta preciosa. Quase todo dia sinto de relance a desesperança, e cada vez que acontece me pergunto se estarei me desestabilizando de novo. Por um instante petrificador aqui e ali, uma rápido relâmpago, quero que um carro me atropele e tenho que cerrar os dentes para continuar na calçada até o sinal abrir; ou imagino como seria fácil cortar os pulsos; ou experimento famintamente o metal do cano de uma arma na boca; ou fantasio dormir e jamais acordar de novo. Detesto essas sensações, mas sei que elas me impeliram a olhar a vida de modo mais profundo, a descobrir e agarrar razões para viver. A cada dia, às vezes combativamente e às vezes contra a razão do momento, eu escolho ficar vivo. Isso não é uma rara alegria?



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