O texto abaixo é um trecho do livro A Arte do Romance (Nova Fronteira, 1988, tradução de Tereza Bulhões Carvalho da Fonseca), de Milan Kundera, um dos poucos livros de ensaios do autor tcheco.
Em 1968 e 1969, A Brincadeira foi traduzido em todas as línguas ocidentais. Entretanto, quantas surpresas! Na França, o tradutor reescreveu o romance enfeitando meu estilo. Na Inglaterra, o editor cortou todas as passagens de reflexão, eliminou os capítulos musicológicos, mudou a ordem das partes, recompôs o romance. Um outro país. Encontro meu tradutor: ele não sabe uma só palavra de tcheco.“Como você traduziu?” Ele responde: “Com meu coração”, e me mostra minha foto que tira de sua carteira. Ele era tão simpático que quase cheguei a acreditar que se podia realmente traduzir graças a uma telepatia do coração. Na verdade, era mais simples: ele tinha traduzido do texto reescrito em francês, assim como o tradutor na Argentina.Um outro país: traduziram do tcheco. Abro o livro e por acaso caio no monólogo de Helena. As longas frases, cada uma das quais ocupa e minha escrita um parágrafo inteiro, estão divididas em uma multidão de frases simples... O choque causado pelas traduções de A Brincadeira me marcou para sempre. Felizmente, mais tarde, encontrei tradutores fiéis. Mas também, infelizmente, menos fiéis... Contudo, para mim que praticamente não tenho mais o público tcheco, as traduções representam tudo.É por isso que, há alguns anos, me decidi enfim a pôr ordem nas edições estrangeiras de meus livros. Tal coisa não se fez sem conflitos nem sem fadiga: a leitura, o controle, a revisão de meus romances, antigos e novos, nas três ou quatro línguas estrangeiras que sei ler ocuparam inteiramente todo um período de minha vida...
O autor que se empenha em cuidar das traduções de seus romances corre atrás das inúmeras palavras como um pastor atrás de um rebanho de carneiros selvagens; triste figura para si mesmo, risível para os outros. Desconfio que meu amigo Pierre Nora, diretor da revista Lê Débat, compreendeu bem o aspecto tristemente cômico da minha existência de pastor. Um dia, com mal dissimulada compaixão, me disse: “Escreva afinal seus tormentos e escreva alguma coisa para mim. As traduções obrigaram você a refletir sobre cada uma de suas palavras. Escreva pois seu dicionário pessoal. Dicionário de seus romances. Suas palavras-chaves, suas palavras-problemas, sus palavras-amores...”
Eis aí, está pronto.
FEIO
Após tantas infidelidades de seu marido, tantas histórias penosas com tiras, Tereza diz: “Praga ficou feia.” Tradutores querem substituir a palavra feia pelas palavras “horrível” ou “insuportável”. Parece-lhes ilógico reagir a uma situação moral com um julgamento estético. Mas a palavra feio é insubstituível: a onipresente feiúra do mundo moderno, misericordiosamente velada pelo hábito, surge brutalmente no menor de nossos momentos de desespero.
FLUIR
Em uma carta, Chopin descreve sua estada na Inglaterra. Ele toca nos salões e as senhoras exprimem sempre seu encantamento com a mesma frase: “Oh, que bonito! Flui como a água” Chopin se irritava com isso, como eu quando ouço apreciar uma tradução com a mesma fórmula: “isto flui bem.” Os adeptos da tradução “que flui bem” objetam sempre aos meus tradutores: “Não se diz isto desta forma em alemão (em inglês, em espanhol, etc.)!” Eu lhes respondo: “Mas em tcheco também não se diz assim!” Roberto Calasso, meu muito caro editor italiano, repete: reconhece-se uma boa tradução não por sua fluidez mas por todas essas fórmulas insólitas e originais (que “não se dizem”) que o tradutor teve a coragem de conservar e defender. Até mesmo o insólito da pontuação. Abandonei outrora um editor apenas porque ele tentava mudar meus pontos-e-vírgulas em vírgulas.
Quando pego um livro, bem antes de começar a ler seu conteúdo principal eu já começo a ler outros detalhes do livro: a quarta capa, as orelhas (se houver), o ano de publicação, o nome na língua original, o catálogo sistemático, o tradutor, o revisor, o responsável pela capa, o autor da ilustração ou foto da capa, o tipo de papel e fone usada, etc. Há uma outra coisa que desperta ainda mais a minha atenção antes da leitura: o índice onomástico.
Índice onomástico, como sabem, é aquele índice com as referências a todos os nomes próprios contidos no livro. Sempre leio ele inteiro antes de entrar no livro em si. É uma forma de captar o espírito do livro por antecipação.
É normal encontrar o índice onomástico em biografias. As do Fernando Morais (autor de Chatô, Olga, O Mago) sempre vêm com o tal índice. E acabo sentindo falta de um índice desse tipo em alguns livros de ficção. Então eu próprio comecei a fazer isso em alguns livros. E um autor que rende bons índices onomásticos é o japonês Haruki Murakami, cujas obras sempre contém várias menções à cultura pop, como bandas, músicas, escritores, marcas, etc.
Duvido que essa minha preferência posso interessar a muita gente, mesmo assim coloco abaixo o índice onomástico de Norwegian Wood (Objetiva, tradução de Jefferson José Teixeira):
Literatura:
Escritores:
Alighieri, Dante – 43
Balzac, Honore de – 43
Bataille, Georges – 312
Capote, Truman – 42
Chandler, Raymond– 42
Conrad, Joseph – 43, 73, 250
Dickens, Charles – 43
Dostoievski, Fiodor – 48
Ésquilo – 234
Hesse, Hermann – 284
Faulkner, William – 245
Fitzgerald, Scott– 42, 43, 142
Mann, Thomas – 106
Marx, Karl – 221, 319
Mishima, Yukio – 42
Oe, Kenzaburo–42, 82
Racine – 41
Shakespeare, William – 23
Sófocles – 234
Takahashi, Kazumi– 42
Updike, John – 42
Vian, Boris – 312, 316
Williams, Tennessee – 310
Livros:
Apanhador no campo de centeio, O – 82, 129
Capital, O – 220, 319
Centauro - 42
Grande Gatsby, O – 42, 43, 145, 288
Guerra e Paz – 82
Montanha Mágica, A – 106, 116, 135
Música:
Bach, Johan Sebastian – 139, 141, 153, 157, 185, 346, 351
Bacharach, Burt – 202, 351
Brach Boys, The – 351
Beatles – 7, 114, 139, 176, 202, 343, 350
Bee Gees – 107
Bennet, Tony – 205
Bernstein, Leonard – 103
Billy Joel – 7
Brahms – 50, 183
Charles, Ray – 351
Coltrane, John – 288
Cream – 175
Davis, Miles – 66, 266
Debussy – 350
Dylan. Bob – 351
Evans, Bill – 137
Gaye, Marvin – 107
Gershwin, George – 351
Harison, George – 350
Jobim, Tom (Bossa Nova) – 140, 340, 351
King, Carole – 351
Lennon, John – 202, 350
Mahler, Gustav – 114
Mancini, Henry – 49, 349
McCartney, Paul – 202, 350
Monk, Thelonius – 190, 212
Morrison, Jim – 66, 210
Mozart, Wolfgang Amadeus – 153, 176, 312, 313
Ravel, Maurice – 312, 350
Rolling Stones – 206
Simon & Garfunkel – 175
Vaughan, Sarah – 273
Wonder, Stevie – 351
Canções:
And I love her - 350
Blackbird – 350
Close to you – 351
Desafinado – 202, 340
Eleanor Rigby – 351
Five Hundred Miles – 98
Fool on the Hill – 350
Garota de Ipanema – 202
Here Comes the Sun – 176, 350
Hey Jude – 350
Julia – 139, 350
Jumping Jack Flash – 206
Lemon Tree – 98
Michelle – 139, 343, 350
Norwegian Wood – 7, 139, 140, 257, 343, 350, 351
Nowhere Man – 139, 350
Penny Lane – 350
Proud Mary – 170
Puff, The Magic Dragon – 98
Raindrops keep falling on my head – 351
Something – 350
Up on the roof – 350
When I’m sixty-four – 350
Yesterday – 350
Cinema:
Filmes:
Casablanca – 140
Noviça Rebelde (The sound of music) – 175
Primeira noite de um homem, A (The graduate) – 106
- Jade: Forever in My Heart, de Jade Goody, publicado pela Harper Collins. - A vida é ouro, é o nosso tesouro, de Wilson Santos, publicado pela Martins Livreiro Editora.