Poderia falar mais sobre o livro, mas, como sempre, não me aventuro pela crítica, e só colocarei um trecho da obra. É um trecho um tanto atípico de Eco. Veremos:
Levantei-me e olhei minhas fezes. Uma bela arquitetura em
caracol ainda fumegante. Borromini. Devia estar com o intestino em forma, pois
todo mundo sabe que só devemos nos preocupar se as fezes estão moles demais ou
mesmo líquidas.
Pela primeira vez via o meu cocô (na cidade você se senta na
privada e depois puxa logo a descarga sem olhar). Agora eu já o chamava de
cocô, creio que é assim que as pessoas chamam. O cocô é a coisa mais pessoal e
reservada que temos. O resto todos podem conhecer, a expressão do rosto, o
olhar, os gestos. Mesmo o corpo nu, na praia, no médico, quando se faz amor.
Até os pensamentos, porque em geral são expressos, ou adivinhados pelos outros
através da maneira como você olha ou se mostra embaraçado. Claro, há também os
pensamentos secretos (Sibilla, por exemplo, mas seja como for eu me traí, em
parte, com Gianni e quem sabe ela não intuiu alguma coisa, quem sabe não está
se casando por isso mesmo), mas em geral até os pensamentos se manifestam.
O cocô, ao contrário, não. Salvo um brevíssimo período de
sua vida, quando a mamãe troca as suas fraldas, ele é só seu. E como o meu cocô
daquele momento não devia ser tão diferente daquele que produzi no decorrer de
minha vida pregressa, eis que naquele momento eu me reconectava com o eu mesmo
dos tempos esquecidos e vivia a primeira experiência capaz de reunir com as
inúmeras outras precedentes, mesmo aquelas dos tempos de menino, quando fazia
minhas necessidades nas vinhas.
Talvez se olhasse bem em torno encontrasse ainda os restos
dos cocôs feitos então e, triangulando da forma correta, o tesouro de
Clarabela.
Mas parava por aqui. O cocô ainda não era minha infusão de
tília – e bem que eu gostaria de ver: como pretendia levar adiante a minha recherche com o esfíncter? Para
reencontrar o tempo perdido, se precisa é da asma, não da diarreia. A asma é
pneumática, é sopro (mesmo dificultoso) do espírito: é para os ricos que podem
se permitir quartos atapetados de cortiça. Os pobres, nos campos, não seguem
com a alma, seguem com o corpo.
E no entanto, não me sentia deserdado mas contente, quero
dizer, estava realmente feliz, de modo nunca experimentado depois do despertar.
Os caminhos do Senhor são infinitos, disse a mim mesmo, passam até mesmo pelo
buraco do traseiro.
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